PRÓLOGO

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 — Onde está o garoto, Sarah?- a voz de Jeremias estava embargada e trêmula.

— O que aconteceu? Por que você está falando assim?

— Precisamos sair daqui, pegue nosso filho, temos que partir agora.

Sarah sentia os olhos pesados como chumbo. As suas pálpebras ferviam, enquanto lágrimas ameaçavam cair a qualquer momento. Aquilo tudo só poderia significar uma coisa: Jeremias havia passado dos limites, mais uma vez. Fitou as mãos trêmulas do marido e o modo como sua cabeça virava para os lados, enquanto os lábios eram lixados por uma língua seca. Jeremias não conseguia nem sequer sentar, se parecia com um pedaço de madeira torcido e balançante.

— Apenas me diga que não está acontecendo o que eu estou pensando Jeremias.- disse, procurando as forças no útero.

— Me desculpe Sarah. Eu não pude controlar, foi mais forte do que eu. - a voz do marido era um choramingo molhado.

— O que você perdeu Jeremias? O que você apostou?

— Filha, me perdoe. Se eu tivesse ganho nós ficaríamos ricos, mas eu perdi...

— O que você perdeu homem? Fale logo!

Jeremias não respondeu. Seus olhos inchados admitiam a culpa, o remorso e a vergonha, tal como inúmeras outras vezes. Jeremias fora um bom homem, mas deixou-se perder no jogo e me levou com ele, pensou. Quando se viciou perdeu a oficina, depois, o velho carro. Mais tarde, foi a vez da casa. Não havia mais nada de valor aos olhos de Sarah, apenas seu filho. Sentiu o coração apertar.

— Eu apostei o nosso filho. — as palavras de Jeremias se transformaram em um urro.

— Você é um verme, Jeremias! Está me ouvindo? Um verme! — disse, enquanto o chutava-o. Jeremias nem sequer contorcia-se, mais parecendo um cadáver. — Isso não pode estar acontecendo! Isso é apenas um pesadelo. Meu garoto Dan, meu pequeno.

— Perdão — balbuciou Jeremias, enquanto encostava os lábios em seus pés, causando arrepios em toda a sua pele e um nó em seu estômago.

Mãe, Pai, o que está acontecendo? Olhou a escada e lá estava o seu garoto, cara de sono, cabelos negros desarrumados e olhos cinzentos semicerrados. Respirou fundo e sentiu uma pontada no peito, nunca pensou que algo assim poderia acontecer.

—Vocês estão brigando? - Perguntou-lhe o filho.

— Não filho. Eu e sua mãe não estamos brigando, nós estamos nos arrumando. Vamos dar um passeio, visitar as montanhas.

Olhar para Jeremias, escutá-lo causava ânsias. Como pude amar alguém tão desprezível? Perguntou a si mesma. De tudo que havia vívido, Dan era a coisa mais especial que a vida com ele havia trazido e agora até isso estava ameaçado.

— Vá, Dan. Seja rápido que a gente vai sair daqui a pouquinho. - disse, sem nem sequer perceber.

Dan foi ao quarto saltitando. Ele adorava o ar das montanhas e isso fazia o coração de Sarah doer ainda mais. Toda aquela ingênua felicidade nascida de uma mentira. Toda a minha vida foi uma mentira! Se pegou pensando, quase sentindo nos lábios o gosto amargo das palavras que pensara.

— Com quem você apostou o nosso filho? - perguntou.

— Joguei com os Caçadores. Eles estavam oferecendo muitos créditos por um jogo de cartas. Nunca pensei que eu poderia perder... Eu juro a você Sarah, tentei apostar outra coisa, mas eles queriam pessoas. Quando tentei renegociar, eles não quiseram me ouvir.

— Nós estamos perdidos Jeremias! Essas pessoas ganham a vida explorando o espaço, eles nos acharão e levarão o nosso filho.

— É por isso que precisamos sair daqui para ontem. Eu já tenho tudo esquematizado, peguei um carro no bar, vamos seguir até o porto e embarcar de qualquer jeito na primeira nave que encontrarmos. Reconstruiremos nossa vida longe daqui.

Crônicas do Espaço SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora