Dan respirou fundo e o ar quente o trouxe de volta do passado, das últimas memórias que tinha da mãe e da vida que quase não se lembrava mais. O caminhão estava abafado, sua pele cozinhava dentro da armadura e gotas de suor delineavam seu rosto sob o capacete. Se dentro do veículo já era capaz de imaginar como era o inferno, Dan não queria nem pensar como seria caminhar diretamente abaixo do astro vermelho.
Olhou para o lado, para Baltasar, que vestido com a armadura de combate ficava ainda mais imponente. O amigo era um gigante loiro de dois metros de altura, esculpido em músculos rígidos. Haviam se conhecido ainda no primeiro ano de treinamento e desde então se tornaram como irmãos, o que já fazia quase uma década.
Naqueles dias, se recordou, alguns dos garotos resolveram que ele não deveria viver, que não era digno de ter sido recrutado para se tornar um soldado da Meliora.
—Vamos seu magricelo levante-se! - disse um dos garotos com a mão encharcada de sangue.
O estômago e o pulmão latejavam de tanta pancada e a boca era uma nascente rubra. Cada vez que tentava se por de pé, mais um golpe lhe era dado. Dan sabia que nenhum dos Monitores viria ajudá-lo. Um cadete precisa ser forte, disseram.
— Estão vendo o que eu falei? - disse o seu espancador – ele é um maricas.
Dan estava quase se convencendo daquelas palavras. Se aceitasse mais alguns golpes, tudo estaria acabado, finalmente haveria descanso, mesmo que isso significasse não cumprir a promessa de voltar a rever a mãe, mesmo que isso significasse ser um fraco. Deixe ele em paz, ouviu uma outra voz dizer, e antes mesmo que pudesse perceber quem falara, foi posto de pé pelo que pareceu, aos seus olhos, ser filhote de gigante.
Os três garotos que se divertiam com ele deram dois passos para trás. Diante daquele outro, eles eram só crianças franzinas. Todos ali tinham dez anos, mas aquele menino que o erguera parecia ter dezoito.
— Ei cara, nós não queremos problemas com você – gaguejaram.
— Pois já conseguiram.
Os garotos tentaram fugir, mas o menino gigante agarrou dois com uma de suas mãos e bateu seus corpos na parede até que se urinassem e desmaiassem. Quando virou-se, o espancador tremia, com as mãos juntas e de joelhos. Escorriam lágrimas dos seus olhos como se fossem uma cachoeira.
— Por favor, por favor, não cara, não, por favor! – o rosto dele era uma mistura de lágrimas e catarro.
Não houve nem sequer um sinal de compaixão. O punho do menino gigante se fechou e se enterrou uma vez, e mais uma vez, e cada vez o soco afundava mais o rosto, produzindo um ruído compassado. TUF, TUF, TUF! Dan viu as mãos sujas de sangue do seu espancador se abrirem e se fecharem, enquanto as pernas dele tremiam no mesmo ritmo que os golpes eram dados. Por fim, o garoto parou de tremer e o menino gigante se levantou, sacudiu o sangue das mãos e olhou para ele.
- Meu nome é Baltasar – disse, como se nada tivesse acontecido – me disseram que você é bom com números e letras, pensei em pedir uma força para você. Seu nome é Dan, não é?
Ainda faltava ar nos pulmões e as palavras pareciam fugir da mente. Baltasar, o menino gigante, esperava sua resposta com as sobrancelhas levantadas, como se nada daquilo tudo houvesse ocorrido. Sim, meu nome é Dan, respondeu, com a voz embargada da surra, quebrando o silêncio. Desde aquele dia, Dan e Baltasar cresceram juntos e agora estavam ali, lado a lado, para aquilo que o seu capitão chamava de batismo do Eleitos.
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Crônicas do Espaço Selvagem
Ciencia FicciónEm um planeta longínquo chamado Veruno, um jovem soldado chamado Dan deserta de sua posição no Império Econômico conhecido como Meliora, depois de cometer um ato terrível. Mas, para trilhar sua jornada de redenção, Dan deve encarar quem ele é e qu...