A herdeira inabalável

Prólogo

— A senhora ficará magnífica, o vestido estará pronto bem antes do esperado.

A voz animada de Otto encheu meus ouvidos mas minha atenção estava completamente voltada para aquele tecido cravejado de brilhantes que faziam cócegas em minhas mãos. Já estava lindo para mim. Mesmo que Otto dissesse que ainda estava na metade. Quem sou eu para questionar o melhor alfaiate de toda Corte Cósmica?"  Então nesses casos eu apenas sorria.

— Nenhum agradecimento será suficiente para essa obra prima, Otto. - respondi soltando o tecido e me afastando do manequim. Os poucos cristais cravejados na cintura chamavam tanta atenção de longe quanto de perto. Aquilo era quase hipnotizante. 

— Esse é o meu trabalho, Princesa. É sempre um prazer fazer peças exclusivas para senhora. — Ele respondeu mexendo na mesa coberta por metros de tecidos em diversos tons de branco e creme além de tesouras, agulhas, linhas, cristais e milhões de desenhos. Aquele era o santuário de Otto ou sua bagunça pessoal. 

As pessoas que cuidavam da limpeza que não ficavam muito felizes de entrar ali. Otto também não. Afinal, ele sabia se encontrar na própria bagunça, mesmo passando horas e mais horas ali. Eu gostava de pensar que era como uma terapia. Assim como eu me sentia quando pegava o violino. Interromperam minha admiração pela construção do vestido por um aviso do guarda parado na porta, informando que meu pai convocava minha presença. Isso significava que deveria estar anoitecendo. Já havia se passado tanto tempo assim?

—  Estou indo, Otto. Não fique tanto tempo se preocupando com o vestido, você também precisa viver. —  Comentei caminhando na direção da porta onde o guarda me esperava silencioso.

—  humf, dessa vez não é só um evento, será O evento. A sua coroação é uma data muito importante para todos nós, Auris. — Ele falou já sentado num banquinho bem próximo ao manequim.

— Toda essa dedicação e empenho sempre serão lembrados, meu amigo. Irei me esforçar para merecer tudo isso que a Corte está fazendo por mim. —  Eu tinha me virado na porta para poder olha-lo. O jovem vestido elegantemente tinha retirado os óculos de armação lisa e mantinha os lábios numa linha fina. Ele entendia o peso das minhas palavras. Era um agradecimento maior do que só fazer o vestido... era pela amizade que tínhamos. —  Muito obrigada, Otto.

—  O melhor para a melhor... —  Ele respondeu com os óculos nas mãos e lutando para que os olhos marejados não fossem além disso. Era a frase que eu mais tinha escutado na minha vida. Sempre dita com muito amor.  O guarda informou que precisávamos ir, então eu apenas sorri e acenei.

Mesmo do outro lado do corredor eu ouvi seu sussurro "você já merece, Auris" respondendo ao meu questionamento pessoal impresso nos meus gestos, em seguida o som dos papéis sendo remexidos e do pote das agulhas sendo aberto. Fechei os olhos por uns segundos conforme seguia o guarda, já conhecia o caminho sem hesitar em nenhum passo. Repassei o rosto daqueles que eram importantes para mim e agradeci mentalmente por ser tão amada. Parei instantaneamente assim que chegamos na frente de uma porta de madeira entalhada. Ouvi os guardas solicitando a abertura e me preparei para ser anunciada.

— Senhor Elmur, sua filha chegou.  

Alisei o corpete do meu vestido para tirar um vinco inexistente antes de entrar no salão que meu pai me esperava. Os guardas e os empregados curvavam-se brevemente conforme eu adentrava o local ao som da voz melódica de meu pai dizendo "Aí está a luz da minha vida. " Ele estava tão empolgado com a coroação que foi impossível não sorrir. Aquela seria uma longa e cansativa reunião. Uma das milhares que tivemos para decidir os preparativos. Mesmo assim, meu pai fazia questão de participar ativamente e toda Corte Cósmica estava engajada no processo. Vendo meu pai segurar minha mão com delicadeza dizendo o quanto a população estava esperando esse momento, que seria "épico", enquanto sorria para mim, foi emocionante demais. Naquele momento, eu prometi a mim mesma que jamais decepcionaria a minha corte.