É quando meus olhos deixam a tela do celular ligado e adornado pelas palavras que atiçaram minha mente conturbada que minhas feições desabam. Me senti como a menininha que acaba de apanhar do pai, a menininha que descobriu que em um trio existe uma dupla e mais uma, a menininha que ouviu absurdos de garotos mais velhos por causa de seu corpo gorducho, a menininha sempre deslocada e indesejada.
Nascer para morrer em algumas interpretações pode parecer digno de romantismo, e eu não discordo, porém quando aplicado sobre uma realidade onde todo ato tem consequências irreversíveis o romântico vira cruel e o cruel destino.
Queria poder não sentir, queria poder não me importar, tratar aquelas palavras com irrelevância, mas não consigo, mesmo que tente e me molde não consigo. Terei que realmente arrancar meu coração para provar da sublime liberdade da ausência de sentimentos ?
Soaria poético se não fosse trágico, embora talvez as tragédias sejam o charme da poesia, se for assim não quero um final poético, mesmo que a vida me direcione ao abraçar dos acontecimentos catastróficos.
Me encontro em um elo: compactuar com os demais habitantes deste planeta jogado às traças ou renegar meus bons instintos e deixar minha alma afundar na perdição. Vantagens e infortúnios escorrem nas paredes de minha mente depois de rodopiarem nos ares e exibirem suas atribuições. Não gostaria de ter minha eternidade condenada ao pungente aroma do enxofre ou minha vida condenada ao som do estilhaçar do que me é protegido por ossos no peito, porém eu vivo do presente e o eterno ainda é muito distante, a liberdade parece intocável e a dor aguda.
Assumir minha culpabilidade é imediato, aceitar as facadas sem revidar é instinto, sentir o gosto amargo do ressentimento subir pela garganta é familiar e reconhecer a verdade nunca presente em mim entretanto estampada nas frases declaradas é o que emana da minha racionalidade, que embora tente defender e proteger meu elo sentimental com justificativas falha ao ser atingida pela onda de melancolia.
Queria poder me tingir da tonalidade alaranjada do horizonte poente e me entregar a paisagem em sacrifício, queria ver o escarlate pingar como a água da chuva transitando entre o telhado e o solo, queria ver a pele se abrir e algo me tirar da realidade, queria ter outra fuga, queria me isolar, virar uma árvore solitária ao lado de uma rodovia barulhenta, queria flutuar o mais alto possível para então desabar e ser recebida pelo pinicar da grama ou sentir meu rosto molhado por algo que não tenha sabor salgado.
O júbilo nunca será desnecessário, mas depois de tantos anos me sendo usurpado sem breves avisos se tornou digno de rejeição.
Os momentos não são eternos embora vivamos aprisionados a eles, os dias perdem o brilho e as noites sua maestria, o corpo perde carne e os ossos ganham destaque, a pele seca depois de molhada mas o espírito prossegue com sua amargura, a música acaba e recomeça porém seus criadores se vão, a glória pode ser sempre alcançada mas não se esquece que você é só mais uma e sempre existirá alguém para te derrubar do seu pedestal e não lhe restam decisões.
Você só é importante enquanto faz barulho, enquanto tem algo a oferecer, enquanto entretém, todavia seu entoar não é eterno, seus recursos tem limites e seu show insosso. Aceite a companhia dos vermes e o ambiente escuro porque o ouro e a veneração que os cercam têm menor duração do que uma carruagem feita de abóbora.
A realidade é cruel e a minha vagueia entre cólera e esmorecimento. A culpa corrói como a ferrugem ao ferro, mas eu não nego o que fiz para estar onde estou, não dispenso minhas atitudes vis, então mesmo que saussure que nunca pisou em nenhum inseto em sua jornada eu ainda tenho pernas arrancadas e asas quebradas pelas solas de seu sapato.