23/12
O senhor Pedro tem suas mãos apertando firmemente o volante de seu velho fusquinha bloqueado dentre as centenas de carros na Avenida principal.
Claramente tenso, ele consulta a hora em seu celular, 18h48min. Eis que aparece o nome "Dona Júlia" piscando no écran.
- Sim dona Júlia!
- O senhor está há quase uma hora atrasado! – O tom é autoritário.
- Dona Júlia, –Respondeu-lhe numa calmaria característica sua - algum acidente aconteceu por aqui! Eu não tenho culpa. Fique calma, às crianças vão esperar o Papai Noel tranquilas, apenas avise que estou perto.
- Seu Pedro, –Sussurrando, sem perder o tom de indignação - às crianças não são o problema, são os pais. Tá cheio aqui e eles estão nervosos! Em quanto tempo vai chegar?
- Se começar avançar, em vinte minutos.
- Passe desses vinte minutos e não receberás. O trato foi o fim de semana inteiro e hoje é Domingo. Saiba que seus quatrocentos reais vão para a "caixa do adeus".
Desligou.
A frase o perturbou, quando a mesma lhe atingiu fortemente à utópica em concretizar do pedido de sua netinha de nove anos, feito numa cartinha ao Papai Noel.
"Querido Papai Noel sei que o senhor é velhinho e que talvez meu pedido não cabe no seu saco, mas se conseguir colocar minha bicicleta esse ano eu juro que ano que ver eu não peço nada. Ah, só mais uma coisa, se o senhor morar perto do Papai do céu diz a Ele para mandar um beijo para minha mamãe. Sinto saudade dela.
Te amo. Da sua fã Samara".
Aquela carta deprimiu profundamente o pai de Samara. O pedido é impossível para um pai viúvo que tem trabalhado sem parar todo o mês de dezembro a vender doces no trem para ver se compra alguma de segunda mão.
O senhor Pedro sabe que seu filho não vai conseguir chegar ao valor de uma bicicleta e que sua aposentadoria não dá quase para ele próprio deixando um pedido tão simples, utópico.
"Seus quatrocentos reais vão para caixa do adeus". Pensou.
Nesse momento o pisca-alerta do carro estacionado a sua direita , pouco mais a frente, denunciou que ali uma vaga vai "nascer".
O caminhão à sua frente não o deixa ver nada, pois seu enorme baú bloqueia qualquer visão além. Ainda sim, é perceptível que o engarrafamento lento feito uma tartaruga manca não tem previsão de onde começa ou quando termina. Ele fez uma cronometragem mental tentando prever em quanto tempo chegaria a pé na loja de brinquedos, já que o shopping está há alguns quarteirões dali.
Se ele passar não terá como voltar, se ele estacionar e o transito começar a fluir...
Meteu o pisca-alerta para direita e estacionou numa precisão invejável.
Desligou o fusca e a inércia do limpador de pára-brisas o fez amargar que a chuva está mesmo forte.
Tateou por debaixo de seu banco e encontrou um velho guarda-chuva. Pensou na pequena Samara e encorajou-se após respirar profundamente. Saiu a caminhar o mais depressa que suas envelhecidas pernas pudessem suportar. Seus quase setenta anos não lhe permitem muita rapidez.
Passou por dois quarteirões até que foi obrigado a parar para retomar o precioso fôlego.
Seu telefone voltou a vibrar em seu bolso.
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Mini Contos Natalinos 2021
Historia CortaEsta obra reúne uma seleção de Mini contos natalinos dos membros do Clube Doce Leitura! Todos os direitos reservados! Os Mini contos publicados não poderão ser reproduzidos em um perfil privado ou em qualquer outro perfil de grupos, sendo aqui no Pe...