Prólogo

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1963

Estava num canto, quieta. Olhando a sala começar a ficar cheia de profissionais e um repórter adiantado do lado de fora, Charlotte tinha uma das mãos na nuca; suas unhas agrediam a carne e ela já nem sequer chorava pelo que estava bem na sua frente. Dava passos para trás a cada minuto e logo não haveria onde ir.

— Foi Charlotte quem encontrou o corpo, detetive. — Ouviu a voz da sra. Miles de longe, meio turva. Não conseguia escutá-la direito, pois sequer estava inteiramente ali.

— Ela está aqui?

— Sim. Logo ali, — deu uma pausa; deve ter apontado — perto da janela. Talvez ela não diga, mas o nome dela é Charlotte Johnson. Pode ser bem arisca às vezes...

A citada respirou fundo e cruzou os braços, praguejando por não poder beber no momento. Alguns segundos depois, um homem alto apareceu na sua frente, encarando-a por pouco tempo antes dela olhá-lo. — Johnson, não é?

— Sim.

— Sou Benson, detetive da polícia. — Esticou a mão, mas ela não o cumprimentou de volta. — A senhora Miles disse que você encontrou o corpo, isso é verdade? — Charlotte assentiu, fugindo do olhar dele. — Qual seu relacionamento com a vítima? Em que horário a encontrou?

— Eu e Laura éramos amigas. — Respira fundo, sentindo a garganta lhe trair e os olhos encherem de água. Se pudesse, choraria por ela mil lágrimas, como uma cachoeira. Ou um rio-olheiro. — Eram umas... Quatro horas... Ainda estava escuro.

— A polícia só foi chamada às seis e meia, — o detetive comentou, franzindo as sobrancelhas — o que fez durante esse tempo?

Charlotte deu de ombros.

— Eu não lembro. Acho que chorei.

— E depois chamou a senhora Miles? Quando chegou a porta estava aberta? Não há sinais de arrombamento.

— Estava escorada, eu acho. Não lembro se chamei a velha.

— Usou alguma substância? Ou foi o choque?

Ela o olhou, desta vez, levantando as sobrancelhas. Estava se irritando.

— Eu estou sóbria e estava ontem também.

Benson seguiu fazendo perguntas e comentando uma coisa ou outra, mas ela não escutou mais nada. Olhou alguém cobrindo o corpo de Laura e foi até ela, afastando quem estava perto, descobrindo apenas seu rosto. Beijou-a na testa e sentiu-a fria como se fosse gelo; naquele ponto, algo dentro de si esfriou também. Tocou seu rosto límpido como se fosse uma joia e sorriu-a curto, sabendo que era a última vez.

— Eu amo você mais que qualquer outro filho da puta, Laura. E sinto sua falta há muito, muito tempo... — Falou baixo, com uma única lágrima rolando pelo rosto. — Me espere no outro lado, sim? Não vai demorar.

Queria chorar mil lágrimas por ela, mas não o fez. E, ignorando o detetive, recolheu-se em monossilábicas por um tempo. 


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