Capítulo 1

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Yan

Eu não deveria estar passando por isso, não é certo, tão pouco aceitável. Meu pai tinha perdido completamente a cabeça e jogava suas frustrações no meu colo, como se fosse minha obrigação recebe-las de bom grado e realizar suas vontades.

Meus olhos iam de um lado a outro e minhas pernas não paravam de sacolejar; a ansiedade me consumindo de fora para dentro, minhas mãos suando, meus olhos inquietos e o peso da culpa apertando com força meu peito, causando-me necessidade de grandes lufadas de ar. Eu precisava sair dali.

— Entenda, garoto, é para o seu bem. As pessoas podem ser maldosas nessa idade. — Ele com seus quarenta anos que o diga, a maldade pura, escorrendo por cada palavra cínica que saia de seus lábios. Não era uma escolha dele, era minha.

Queria poder refutar, bater de frente, gritar. Mas sou covarde. Fui criado para ser assim; fraco. Vitor Beltrão não aceitaria um filho de personalidade combatente, por isso minha irmã mais nova foi jogada em um externato na Suíça e eu fiquei por aqui, para acalentar seu grande ego e fazê-lo esquecer que tem uma filha com mais culhões do que ele.

— Olhe para mim quando eu estiver falando — levantei meus olhos, o desespero brilhando pela íris. Ele adorava ver isso, me jogar para o fundo do poço. Maldito narcisista, há quem só lembre de mães assim, mas os homens podem ser tão cruéis quanto. — Sua mãe concorda com a minha decisão — sorriu largo, direcionando o olhar a mulher que sempre me colocou debaixo de suas asas. Infelizmente não há ninguém para fazer o mesmo por ela.

Seus olhos não conseguiram se manter nos meus, era uma clara confissão de que não, ela não concordava, porém, o macho alfa da família queria dessa forma e ela não poderia contestar, como eu disse; ele poderia ser bem cruel quando queria.

— Entende a necessidade disso, meu filho? — perguntou de novo, tirando um pouco do sorriso. Apenas aquiesci.

Entendo, seu ridículo do caralho. Precisa inflar seus pulmões para seus amiguinhos riquinhos e chatos, dizendo que seu filho mais novo é um homem de verdade. Como se minha virgindade fosse um problema gravíssimo, quase uma doença transmissível.

Eu não queria ser esse tipo de jovem; o que odeia o pai com todas as forças. Entretanto, Vitor Beltrão implora por isso. Em sua cabeça doente, ele só é um bom pai se for odiado por todos os filhos. Fez um trabalho excelente com Vitória.

Nunca esquecerei das últimas palavras dela, antes de partir para seu destino imposto. Elas foram direcionadas ao nosso pai, mas me atingiram também. Eu jamais seria esse homem, nunca reproduziria suas loucuras em meus filhos.

Minha irmã estava com os olhos brilhantes das lágrimas, embora não tenha permitido a queda de nenhuma. O orgulho era algo que ela carregava dele.

"— Bem que me disseram uma vez. Um homem machista deixa de amar a sua filha na adolescência, porque não suporta ver uma mulher vencer, nem mesmo a que ele criou."

Aquilo mexeu comigo. Mexeu com ele também, mesmo que tente negar.

Agora restava a mim a missão de aguentar suas imposições. Minha irmã completaria vinte e um anos logo, e não teria mais obrigação de responder ao meu pai, era sabido que, assim que completasse essa idade, ela sumiria de sua vida, em consequência, da nossa também.

— Preciso que fale, moleque. Ou não é um homem de verdade? — Essa pergunta vinha com tom de sarcasmo. Ele queria saber da minha orientação sexual.

Quem me dera ser homossexual, assim ele me expulsaria de casa de uma vez e me daria a liberdade de escolha. Poderia gritar contra seu rosto e sair chutando tudo.

Mentira. Eu sou covarde. Mesmo que fosse gay, ainda me calaria diante dele e esconderia o segredo de todos. É foda ser assim, rendido e dominado.

— Eu entendi, sim senhor — balbuciei contido.

— Então está combinado. O levarei amanhã — sorriu vitorioso, pouco se importando de deixar claro, na frente da mamãe, que ele frequenta e conhece o lugar. Vitor não era homem fiel, desconfiava que nem homem era.

Mamãe ficou calada, como sempre.

Era o que mais deixava Vitória irritada. Ver aquela mulher maravilhosa e cheia de qualidades, definhando ao lado de um troglodita como ele.

Eu gostaria de ser como Vitória, ao menos uma vez, e poder olhar nos olhos dele e despejar toda a merda que ele causa em nossa vida. Talvez nunca mais conseguisse me impor. Quem sabe o que irei me tornar sendo assim, contido a todo momento, calado em qualquer situação.

— Entrará como um fedelho e sairá de lá um homem — proferiu orgulhoso, e, logo em seguida, saiu dando as costas para nós. Assim que desapareceu pelos corredores da casa imensa, tanto quanto seu ego, minha mãe sentou-se ao meu lado no sofá.

— Querido — iniciou cautelosa. Abaixei minha cabeça e deixei a primeira lágrima escorrer. Era sempre assim, ela vinha sorrateiramente para nos abrigar em seus braços, tentar acalmar a tempestade de sentimentos ruins que aquele homem nos trazia.

Se não fosse o dinheiro, o poder que ele carregava em mãos, ela já teria ido embora. Porém, se o fizesse, não poderia nos levar. Era esse o trunfo dele, e o único motivo dela. Suas mãos vieram até as minhas, trazendo um pouco do seu calor. Meu corpo amoleceu e mais lágrimas vieram. Mamãe me aconchegou em seus braços, apoiando minha cabeça em seu peito e acariciando meus cabelos.

— Está tudo bem, querido. Eu sempre estarei aqui — sussurrou as palavras que costumavam me tranquilizar.

Eu não sabia mais como agir, embora aquelas palavras me trouxessem o mínimo de paz, não eram mais suficientes para me deixar tranquilo. Aprendi a entender a dinâmica daquela casa. Ele vinha exigindo absurdos, eu acatava a tudo calado; ele saia e eu chorava; mamãe me acudia e fazia tudo parecer exagerado, dando-me seu carinho e conforto; eu me lembrava de toda a merda que ela passava ao lado dele, apenas para nos proteger; tudo voltava ao ciclo vicioso de sempre.

Começava a me esgotar disso tudo.

O garotinho de Lucy (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora