Lavar o cabelo

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Pov Jude

Quando eu estava treinando Cardan teve a brilhante ideia de se juntar a mim, e bom isso tem muitas formas de dar errado, como é óbvio.

Porém o mais interessante foi o fato que Cardan sóbrio tem menos equilíbrio do que o Cardan bêbado, e eu posso provar: em inúmeras festas na corte em que Cardan sempre bebia, ele dava alguns shows, como por exemplo ele andando na corda bamba que passava por toda a sala do trono, ou então equilibrando na ponta do seu pé uma espada com um ovo em uma ponta enquanto ele virava uma garrafa de vinho, e vários outros casos em que ele tinha total dominância de seu equilíbrio; mas agora pedir para ele fazer alguns movimentos básicos de luta em que tinha que ter um bom jogo de pés, parecia ser demais para ele.

E isso tudo resultou em um Cardan caindo repetidas vezes sem parar, e algumas vezes eu nem sabia como que ele tinha caído, até parecia que ele estava sendo empurrado pelo vento. Tanto que em uma das vezes em que ele caiu, de algum jeito, ele conseguiu quebrar dois dedos da mão esquerda, o que nos fez parar e ir cuidar da mão dele; depois de alguma birra e muito drama quando foi enfaixar ele tomou um tônico para não ter dor o que fez ele parar com a manha.

E no final, só restava um gatinho emburrado, com dois dedos quebrados, sujo de terra, e com a cauda balançando em descontentamento enquanto xingava com todos os palavrões que conhecia todas as pessoas que sabiam lutar e fazer aqueles movimentos, menos a Jude, ela é incrível e pode ser maravilhosa em qualquer coisa ressaltou ele depois que eu levantei uma sobrancelha acusatória para ele.

Nós entramos no nosso quarto para podermos nos lavar para depois ir jantar. Candan foi primeiro alegando que não aguentava mais a terra no seu corpo, eu só dei de ombros e comecei a arrumar algumas coisas que eu tinha espalhado pelo quarto, até que eu escutei o Cardan gritar meu nome do banheiro.

- O que foi Cardan? - perguntou assim que entrei no recinto e vi ele sentado na banheira sem ter nada de errado por perto.

- Eu não consigo lavar meu cabelo.. - disse ele quase de maneira tímida enquanto mostrava os dedos enfaixados. Soltei um suspiro, aliviada por não ser nada preocupante, e fui até onde estava alguns shampoos que havíamos trago do mundo mortal já que Cardan gostava do cheiro, e logo depois fiquei atrás dele ao lado da banheira me abaixando um pouco e pegando o caneco que estava no chão para poder molhar os cabelos dele, e logo depois apliquei o shampoo nos cabelos dele.

Os cabelos de Cardan eram um pouco compridos, tendo por volta de uns cinco dedos de comprimento, e eram muito escuros, assim como os olhos dele, mas mesmo assim tinham um brilho maravilhoso, e eram extremamente macios, tão macios que dava vontade de ficar passando a mão por horas a fio sem parar, e eu amava o cheiro que o shampoo deixava em seu cabelo.

De onde eu estava posicionada conseguia ver as cicatrizes nas costas dele perfeitamente, e ainda tinha arrepios só de lembrar da vez que eu mesma presenciei elas sendo feitas. Mas mesmo assim elas tinham sua beleza ao mostrar o quão forte Cardan tinha sido ao aguentar todo o abuso de sua própria família, obviamente que a maneira como elas foram parar lá era odiosa, e se eu conseguisse mudar isso não deixaria que ninguém tocasse nele dessa forma, mas infelizmente não conseguia fazer isso, então eu só as admirava como símbolo de várias lutas vencidas.

Durante o tempo em que eu estava pensando sobre isso, minhas mãos continuaram massageando o couro cabeludo de Cardan sem parar, fazendo espuma e tirando toda a sujeira, mas eu não tinha reparado em como Cardan estava até que eu escuto ele fungando, minha atenção sendo totalmente voltada para ele no mesmo instante.

- Cardan.. - falei baixo franzindo minhas sobrancelhas e indo mais para frente para poder enxergar o rosto dele - Você está chorando?

Ele apenas levantou a cabeça e abriu os olhos olhando diretamente para mim, seus olhos estavam vermelhos ao redor das esferas negras, havia ali o caminho das lágrimas levemente perceptível, e ele continuava fungando.

- Eu fiz alguma coisa? - perguntei realmente preocupada se nesse tempo em que eu estava pensando em outras coisas eu tinha acidentalmente puxado demais seu cabelo ou tivesse enfiado a unha em seu couro cabeludo, ou até mesmo que eu tivesse pegado pesado demais no treino..

- Não.. - interrompeu ele a minha linha de pensamento sobre qualquer coisa que eu pudesse ter feito para magoá-lo, sua voz estava fraca e levemente rouca, totalmente diferente da voz alegre e arrastada que Cardan tinha naturalmente - É só que.. ninguém nunca lavou meus cabelos dessa forma..

- Como assim Cardan? - perguntei ainda confusa.

- Carinhosamente. - respondeu como se não fosse nada, mas para mim foi praticamente um soco no estômago - Quer dizer, quando eu era bem pequeno minha mãe lavava meu cabelo, mas não tinha nada de carinho, parecia só que ela estava lavando uma roupa manchada, e depois quando eu tinha uns seis anos quem passou a lavar os meus cabelos foram algumas criadas, e era ainda pior, elas chacoalhavam muito a minha cabeça. E depois eu aprendi sozinho.. mas ninguém nunca lavou com tanto carinho assim, ainda mais por vontade própria.

Eu estava praticamente sem palavras, sabia que a infância de Cardan havia sido péssima, mas não tinha realizado os pormenores disso, e quando percebi parecia que o soco havia se transformado em uma faca indo fundo na minha barriga.

- Você não estava pedindo para eu lavar seus cabelos quando me chamou? - tentei ir pelo lado mais leve já que não sabia muito bem como lidar com a situação toda, palavras de conforto não eram comigo, definitivamente.

- Na verdade não, eu só ia pedir para você ir jogando água na minha cabeça depois de eu passar o shampoo.. - respondeu quase murmurando e tendo a fala um pouco diferente na última palavra por ela ser estrangeira. E eu não pude deixar de me surpreender ainda mais com a sua resposta, ele nem sequer esperava que alguém fosse carinhoso com ele, uma ponta de culpa me atingiu.

- Bom, - comecei engolindo o bolo que tinha se formando em minha garganta - agora você tem a mim, e toda vez que quiser que alguém lave seu cabelo, você pode pedir pra mim que eu lavo!

- Promete? - perguntou com os olhos brilhando em animação enquanto levantava o dedo mindinho, ele tinha aprendido isso no mundo mortal, e considerava isso a maior promessa que alguém poderia fazer.

- Prometo! - respondi juntando meu dedo mindinho com o dele, afinal eu também considerava aquilo a maior promessa que alguém poderia fazer, e eu jamais iria descumpri-la.

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