CONTOS - Conto de DT

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Fui chamado


— Eu não vou pai.

Aquela foi a primeira vez que consegui dizer aquelas palavras. Não, não foi libertador, como muitos diziam que seria. Foi sufocante. Mal esperava por sair daquela sala. Não me restava um pingo de coragem pra continuar ali.

— Como disse? — ele perguntou na inocência. Como não tenho esse tipo de costume de dizer "não" a uma ordem sua, meu pai pensou que poderia ter escutado errado já que fazia várias coisas ao mesmo tempo.

Como agora em que estava digitando um relatório para o Senhorio dizendo o porquê o gerador estava dando problema. Ao que parece os abalos sísmicos em Solarium deu uma interferência em todo o planeta. E o culpado sempre é o meu pai. O cara que lidera tudo isso aqui. E um dia, esse império de energia seria meu.

Mas eu não quero. Era isso que estava querendo conversar com ele a tempos. O problema é que meu pai nunca tem tempo. Vai fazer quase um solari que quero contar sobre meu recrutamento para o SAT.

Hannagan esteve aqui durante a Guerra. Sempre fui incentivado a odiar os naromas, já que afinal, eles estavam roubando terras nossas. Porém, ao conhecê-lo numa das reuniões de negociação, percebemos que tínhamos mais em comum do que achávamos.

Ele me disse que tinha uma proposta para trabalhar no SAT. É uma organização secreta. Eu protegeria Solarium e faria alguma coisa com minhas mãos. Hannagan disse que eu poderia ser útil em várias áreas, se eu aceitasse, é claro.

Quando foi que eu comecei a acreditar mais em um naroma do que no meu próprio pai? Essa pergunta rondava minha cabeça instantes antes de adentrar a sala de reunião.

— Eu não vou. — repito, fico feliz de minha voz não ter oscilado tanto, mesmo assim, não havia confiança; — O Senhorio me chamou como Guardião da família Snay, e eu aceitei.

Novamente, não senti alívio. Senti medo e um pavor sufocante na garganta. O silêncio que estalou não foi legal também. Meu pai continuou digitando as últimas linhas do e-mail. Enquanto eu, sentando naquela cadeira, sentia a enorme vontade de correr para a porta.

— Então diga que mudou de ideia — ele não olhou para mim, apesar de sua voz ter aparentado uma tranquilidade bem melhor do que na minha imaginação que o via com o rosto inchado de tanto gritar comigo. — Preciso de você como gerente da Zona Azul! Você é o único em que posso confiar para essa tarefa.

Finalmente seus olhos me encaram. Ele retira os óculos, deixando em evidência que fala comigo agora e que toda sua atenção está em mim.

— Não. — falo mais uma vez. Qual é o problema dessa palavra, hein? Podia ser bem mais fácil! — Pai, minhas viagens pra Capital não tem sido de negócios, — continuo, antes que perca de vez a coragem — Enry tem ido no meu lugar. — cito Enry primeiro porque sei que meu pai o adora. O problema do meu melhor amigo é que ele é meio perdido, precisa que alguém lhe dê ordens.

Papai não diz nada. Ele ainda segura meticulosamente a armação de seus óculos na mão, enquanto os olhos estão nos meus, me encarando de forma assustadora. Como sempre fez, quando desaprovava algo.

Obrigo as próximas palavras a saírem.

— Eu fui recrutado para servir como membro do SAT. É um centro militar, lá fui treinado para caso aconteça alguma ameaça contra o planeta. — Respiro fundo, sinto-me tão afobado, como uma criança arteira — Tive grandes recomendações, isso me possibilitou ser chamado como Guardião. E independente da sua aprovação, eu irei pra outro planeta, guiar a família Snay.

Ok. Agora, há um sentimento de tranquilidade no meu coração. Mas, logo a angustia vem. O que ele iria dizer sobre isso? Porque está tão calado?

— Tolice — responde, esticando os braços e recolocando os óculos. — Cancele. Você tem um trabalho mais importante do que sair de Solarium agora. — Ele volta as suas atividades. Pega o papel saindo da impressora e folheia, sem me encarar.

— Desculpe, mas acho que você não entendeu. — falo, mais uma vez, só que agora, eu estava o afrontando abertamente — Estou indo já para a Capital, cumprir meu chamado.

Ele dá um suspiro e larga os papéis em cima de sua mesa.

— Então me diga, quem irá deliberar as energias tecnológicas? Quem vai conversar com os acionistas, hein? Como o centro da Área Azul vai se manter sem alguém no comando?

— Pai, o que está acontecendo em Solarium não é um caso isolado. Coisas estão por vir...

Não consigo terminar, sua mão vai de encontro a minha face. O estralo foi grande, sua mão apesar de idosa ainda era bem forte. Sou forçado a virar o rosto e sentir ele se aquecer pelo tapa.

— Você vai voltar para a Área Azul e esquecer essa ideia tola. — ele diz, sério — Não quero saber como se envolveu com essa organização, quero que volte as suas tarefas e assuma o porte de um líder de respeito!

Estou com a cabeça abaixada. Mas, dessa vez, não iria me permitir deixar minhas vontades por causa da empresa dele.

Eu entendia que era filho único e que teoricamente precisaria herdar tudo aquilo. Mas eu detesto tudo isso aqui. A Área Azul é a mais prestigiada, subir para algum cargo era o que muitos bolfins queriam. Menos eu. Porque entendia como aquela sociedade em que vivíamos era falha e hipócrita.

Detestava a moeda mais do que tudo. Ela trouxe esses estamentos idiotas. Não iria me render a ele de novo. Dessa vez, seria diferente.

Levanto-me da cadeira e dou uns passos para trás. Nunca saberei se meu pai teria coragem de tacar aquele monte de aparelhos em cima da mesa em mim.

— Desculpe, mas eu vou seguir minha vida a partir de agora. — falo, olho firmemente sua expressão de terror, ou seria decepção? — Adeus pai.

Saio da sala. Não houve gritos, nem xingamentos como imaginei. Foi uma conversa legal. Tirando pelo tapa e pelo fato de que nunca mais iria vê-lo, foi uma conversa legal.

O tremor na minha barriga passou. Agora, o peso da consciência não existia. Eu estava livre. Iria servir como Guardião da família real! Abro um sorriso maior do que meu rosto permitia. Finalmente, finalmente eu estava livre das correntes de meu pai.


Desvendando Solarium - SPIN OFFOnde histórias criam vida. Descubra agora