🎼Cap. 3 - Igor Costa "O Navalha"

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Acordei cedo porque fiquei de levar minha coroa pra fazer umas parada lá na cidade

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Acordei cedo porque fiquei de levar minha coroa pra fazer umas parada lá na cidade. Tava morgado por conta da segurança que fiz a madrugada inteira na comunidade. Ontem era meu dia na escala e tinha que cumprir com meus compromissos. Pra variar tinha esquecido que ainda tinha essa parada com minha coroa.

Tava de boa dormindo quando levo um susto com minha coroa me chacoalhando na cama. Me senti até um pedaço de carne podre jogado de tanto que ela me empurrava.

Abri um olho, mas tava só o pó da rabiola que nem levantar conseguia. Olhei pra ela e voltei a dormir. Até que do nada sinto a cama virar uma lagoa. Ela lascou um balde água gelada na minha fuça e me obrigou a levantar na hora.

- Pô mãe! Virei a noite trabalhando e tu não tem consideração me acordando uma hora dessas da madrugada. Quem morreu?

- Ninguém morreu Igor Felipe Costa... Mas, falta muito pouco para acontecer. Esqueceu que hoje teus irmãos precisam ir pra pesagem e renovar o bolsa família garoto?

- Que merda! Tinha esquecido dessa parada. Mas, já disse que a senhora não precisa mais dessa esmola desse governo de merda. O dinheiro que eu ganho dá e sobra pra sustentar geral aqui.

- Nunca esse dinheiro imundo vai entrar na nossa casa moleque e trate de dar um rumo na tua vida e sair dessa porcaria de tráfico. Não nasci pra ver filho meu estirado por aí não garoto. Teu pai, que Deus o tenha, se estivesse por aqui nada disso estaria acontecendo.

- O que o pai faria? - questionei levantando da cama

- Te daria uma surra de vara pra tu deixar de safadeza garoto. Ele ia te lapiar tanto que tu ia rapidinho tomar vergonha na cara e nunca mais ia se meter com gente que não presta. Que desgosto viu, te criei com tanto amor pra hoje te ver desse jeito. Todo magro, com essas porcarias no pescoço, orelha furada e com o corpo que Deus te deu todo rabiscado com essas imundices de tatuagens. Durmo e acordo com medo de te ver jogado em frente à nossa porta morto ou alguém vir aqui pra avisar que te desovaram em algum valão.

- Para de graça coroa. Nada disso vai acontecer não pô. Teu filhão aqui é safo, eu fazer meus corres e ninguém vai me pegar. - dizia levantando e tirando as paradas molhadas da cama

- Deus me perdoe pelo que vou te dizer meu filho. Eu te amo muito, mas se eu desconfiar que isso possa acontecer vou até a delegacia e te denuncio. Prefiro um filho preso do que morto.

- Que isso coroa. Trabalho honesto, nunca roubei nada de ninguém pô.

- Já ouviu muito bem o que penso sobre isso. Prefiro a esmola do governo do que esse dinheiro podre manchado se sangue e sofrimento das pessoas. Graças à Deus que o projeto oferece alimentação para teus irmãos, o Joaquim está trabalhando numa lanchonete junto com a Michelle no centro da cidade e o pouco que ganho lavando roupas para fora está sendo suficiente para nos sustentar dignamente. E trate de sair dessa vida heim Igor Felipe, porque caso contrário vou cumprir tudo o que prometi agora a pouco. Entendeu? - disse saindo do quarto e batendo a porta

Amo a minha coroa, mulher batalhadora criou nós na maior dificuldade depois que meu coroa foi assassinado numa tentativa de assalto na Central do Brasil, mas sempre nos ensinou o certo. Sei que tudo o que ela disse fazia sentido e ela tava na razão. Mas, o que posso fazer que não conseguia trabalho e esse foi o meio que encontrei de sobreviver.

Não queria entrar nessa parada toda. Mas, pô... depois que entrei vi que o dinheiro entrava igual água. Facinho, facinho... todo lugar tem alguém afim de dar um teco, e quando mais dá mais quer... eu fui nesse pensamento e hoje enfiei o corpo todo nesse erro e é foda agora pra sair. E é isso que ninguém consegue entender.

Tráfico parece luxo, curtição, até que as vezes é mesmo... Mas, sabe como é né... dinheiro entra fácil e vai mais fácil ainda. Mulher nós tem a rodo, as vadia se amarra na vagabundagem em sentar no pai e se chamar de nega aí que elas enlouquecem mesmo, sacam logo que o bagulho é loucão, mas colar na minha bota eu só queria uma, pra variar a mais difícil de todas...

Grana, status, respeito nós tem a vera... Mas, problemas e o medo de morrer a qualquer momento nós tem a milhão por hora.

Só que nunca ia dizer isso tudo pra minha coroa né?! Porque do jeito que ela é seria bem capaz de me arrastar pela orelha por toda comunidade até chegar na boca e ainda de quebra passar o maior carão no Jeremias. Quem não conhece dona Juraci que a compre... eita mulher arretada... aquela dali é fogo no feno e passava por cima de quem fosse para proteger suas crias.

Já passavam das seis da madrugada, levantei peguei minha roupa e fui até o banheiro fazer minhas paradas. Me arrumei rapidão, coloquei meus cordão de lei, meu radinho, minha neguinha, meu boné e calcei meu tênis da Adidas preto.

Coloquei a camisa no ombro e passei a mão na chave. A coroa me olhou de lado, mas por fim concordou entrar no carro. Levei ela, Ester e o Ruan até aquela bosta de CRAS pra poder refazer aquilo tudo. Chegamos lá e tava mó fila do caraí... parecia até fila do SUS ou do INSS... larguei minha coroa lá e disse pra ela me ligar quando tivessem saindo que ia lá buscar.

Tava morto pra caralho e precisava descansar um pouco sacô. Hoje era dia de bailão e tinha que este na estica pra passar o rodo naquelas putas. Liguei o som com o batidão que o pai aqui gosta né.... Fiz o retorno na pista e segui pra Kelson's, quando chego e tô indo em direção ao meu barraco avisto a minha chocolate (assim que eu chamava a Karen dentro do meu pensamento) indo em direção ao ponto de ônibus. Parei logo de cara pra oferecer carona, porque elas tavam com a cria do meu mano D3 e fiz uma promessa pro meu irmão que fortaleceria a família dele em tudo até ele sair do sistema. Nós é vagabundo mas tem palavra. O que nós promete nós cumpre.

Mas, levei mó susto véi... a Karen apertou o passo legal tentando se afastar quando parei o carro baixando o vidro. Mina mó bipolar pô... mas, não deixava de ser linda pra caralho, cada dia mais gata e com essa marra toda sempre me deixou loucão, mas nunca sacou. Abaixei o som do rádio e fiquei fitando ela de cima abaixo só pensando: agora tiro toda essa marra da minha chocolate ou não me chamo Navalha. (...)

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