Naquela noite na estação, a chuva caia sem dó. Não sei dizer o que doía mais naquele momento, as gotas de chuva fria que pareciam cortar minha pele, ou o sentimento de ter o coração arrancado.
A essa altura eu já deveria ter me acostumado, seja uma amizade ou um amor, elas sempre vão embora no final. Muitos pensam que esse sentimento você só tem uma vez na vida, e que depois de sentir ele, você começa a se distanciar mais, e ser mais pragmático com as coisas. Eu devo ter me viciado nessa merda, toda vez, fadado a sentir esse luto, essa frustração, toda vez que acontece é como se eu fosse menos eu.
O trem está demorando, mais do que o comum, geralmente ele atrasa, mas não atrasa tanto. Estou um pouco aliviado com essa chuva agora, posso pelo menos deixar as lágrimas caírem, estou todo enxarcado mesmo. Ela foi embora logo hoje, ontem foi o primeiro dia do ano, daqui a poucos dias é meu aniversário, e olha só que presente estou ganhando!
Sempre me dizem: "Mas, mano, não é culpa sua! Essas coisas acontecem!" realmente, elas acontecem, uma vez ou outra, ou então uma vez na vida, me irrita quando principalmente uma pessoa que não tem esse sentimento na mesma quantidade que eu, vem me falar que é comum.
Não sei o que deve ser normal pra eles, mas não me parece nenhum pouco normal as pessoas que você mais gosta sempre se afastarem de você. "você é muito persistente!" me disseram outro dia, quando eu falei que eu ainda tentava conseguir as coisas que me eram negadas.
Eu lembro que passei anos, tentando fazer uma garota que eu gostava, me notar. Assim, ela sabia que eu existia, mas ela não me via como um namorado em potencial. Quando finalmente consegui, ela me traiu quando moramos juntos, e me mandou embora.
O trem deve estar chegando a essa altura, os avisos da estação mostram que em alguns minutos ele vai chegar. Espero que não atrase novamente, a chuva está ficando pesada e salgada.
Esse ano vou fazer 35! Trinta e cinco anos sem conseguir nada com ninguém, a longo prazo, já desisti de ter filhos, desisti de me casar, a cada ano que passava, eu desistia de alguma vontade ou sonho. Esse ano passado, eu desisti de ser um escritor. Ainda tentei por muito tempo pelo menos ter alguém como companhia. Esse ano, acho que vou começar com mais uma desistência.
Espero que dessa vez seja a última. Não costumava fazer essas coisas, não costumava só deixar pra lá. Mas admito que depois de começar a deixar as coisas de lado, ficou mais fácil. Talvez seja hora de mais uma mesmo.
Dessa vez ela só foi embora, devo ter irritado ela ou algo assim. Devo ter falado pra ela algum sonho ou alguma vontade que eu tenho que deve ter assustado ela, ela só foi. Parou de falar comigo. Eu entendo quando eu realmente falo algo que passa algum limite, quando eu faço algo que deixa a pessoa desconfortável.
Eu odeio passar por isso toda vez. O trem está chegando, já da pra ver suas luzes no horizonte. Com ele chegando eu consigo o ouvir o cliquete-claquete da movimentação dele, eu estava na ponta da estação, na parte mais próxima do final dele quando ele parar na estação. Eu estava pensando em sentar na ultima cadeira, pra ver ele fazendo as curvas lá na frente durante a viagem. Mas eu desisti!