— Você está morto.
Marta gritou, desesperada. Na sua frente, de cabelos curtos e barba mal feita, usando roupas largas e tênis velhos, um homem muito magro estava sobre o tapete da porta dos fundos. Embora um pouco mais magro que o habitual e com os cabelos ligeiramente mais curtos, Marta reconheceria aquele nariz torto em qualquer lugar. Os olhos da mulher saltaram como se fossem pular para o chão. Ela olhou para aquela figura, muda. Por mais que analisasse cada parte do corpo do homem à sua frente buscando desesperadamente uma prova de que não era quem ela pensava, ela não encontrou. Era impossível que aquele não fosse Lucrécio, seu marido. O mesmo Lucrécio que, no início da semana, havia morrido.
Marta não era o tipo de mulher que se impressionava fácil. Ela, uma jornalista corajosa, que recentemente teve que lutar com unhas e dentes para conseguir o tão almejado cargo de âncora do Jornal das Seis, sempre bateu de frente com quem quer que fosse, com a coragem de um leão. Só havia um problema, debater com os vivos era fácil, mas Lucrécio não estava mais no mesmo plano que Marta. E, quando aquele homem de expressão dura abriu os lábios finos, iluminados pela mínima luz da rua, fazendo menção de falar, não houve coragem que a impedisse de cair no chão, desfalecida.
Ouvindo um barulho alto vindo da cozinha, um homem mais novo que Marta irrompeu pela porta, com ar de assustado. A primeira coisa da qual se deu conta era que a porta da cozinha estava entreaberta, com espaço para apenas um fino fio de luz. A segunda coisa, era que Marta, a esposa do seu tio, estava caída ao chão. Depois de a levantar, a depositar sobre o velho sofá da sala e colocar um trapo sujo embebido em álcool no seu nariz para que recobrasse a consciência, Marta começou a dar sinais de vida.
Aquela mulher de corpo forte, parecia agora tão frágil, sobre aquele sofá desgastado. Quando abriu os olhos, lentamente, a primeira coisa que viu foi o teto sem vida daquele cômodo escuro. Calixto, ainda segurando o trapo em suas mãos, de pé em sua frente, observou aquela mulher nos altos dos seus trinta anos se levantar com dificuldade, escorando no couro acinzentado do estofado. Quando as lembranças do que acabara de acontecer voltaram à mente de Marta, ela se desesperou novamente. Olhou para todos os cantos daquele pequeno aposento, com o coração batendo forte contra seu peito, e só se acalmou quando constatou que ali só havia ela. Ela e Calixto, que queria muito uma explicação.
— O que foi que aconteceu para você cair feito uma jaca madura? — ela a indagou, levemente incomodado.
— Eu... eu vi ele, Calixto. — ela falava devagar, com medo de pronunciar as palavras em voz alta.
— Ele quem Marta? — seu incômodo crescia, e se podia ver suas sobrancelhas se arqueando cada vez mais.
— O... O... Lucrécio. — ela soltou, por fim. — Lucrécio? Você está de brincadeira comigo? — vendo o rosto branco e apavorado de Marta, ele logo descartou essa possibilidade. — O Lucrécio morreu, você viu ele morrer, não viu?
— S-sim, eu vi. Mas, ele estava ali — apontou para a porta dos fundos, que permanecia entreaberta, agora, completamente escura. —, eu juro Calixto.
— Você só pode estar ficando louca. Eu vou sair, tenho coisas para fazer. Não me espere.
Marta tentou agarrar Calixto pela barra da camisa xadrez e pedir que ele ficasse, a fizesse companhia, mas a porta já havia sido aberta e ele, pegado a chave da moto. Ao ouvir o baque surdo da madeira e o roncar do motor, um medo terrível começou a crescer dentro dela. Ela não sabia o que mais a apavorava, ficar ali sozinha, depois de ver seu marido que até então estava morto, parado à sua frente, ou de não estar realmente sozinha.
Depois de fechar a porta dos fundos bastante assustada, ela decidiu ir para a cama mais cedo, mesmo que ainda não fossem nove da noite. Queria se afundar nos travesseiros, tentar esquecer o que aconteceu e forçar a manhã a chegar rápido, mas quem disse que conseguia dormir? Ouvia todo o tipo de barulho, achava que tinha alguém rondando a casa. Olhava pela janela do seu quarto, no segundo piso, mas nenhum sinal de ninguém nas proximidades. Nem mesmo do sol, a noite mal havia caído. Virou de um lado, depois do outro, levantou para beber água, fez até simpatia para ver se conseguia pegar no sono, mas nada adiantava. Desistiu de tentar de uma vez quando, pela porta de seu quarto, que estava aberta por causa do vento, jurou ter visto o vulto de Lucrécio passar em direção às escadas. Marta, paralisada de medo sobre a cama, nem se levantou para averiguar.
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Quem sou eu? Quem é você?
Mystery / ThrillerMarta sempre foi uma mulher forte e decidida, pronta para fazer o que fosse preciso para conseguir o que queria. Uma jornalista valente, que nunca teve medo de nada. Mas, ela não contava com uma coisa, ou melhor, uma pessoa, seu marido. Parado de pé...