Meus vizinhos sempre me intrigaram um pouco. A forma que eles tinham de se aproximar de todos ao redor, mas ainda assim fazer parecer que você nunca os conhecia e nunca conheceria de forma profunda mesmo se passasse mil anos tentando, era isso que me fazia querer viver mil e um anos ao lado deles.
Quando nós fomos para aquela cidadezinha, todos eles foram muito proativos em nos ajudar com a mudança, até os mais velhos eram bem ativos e montaram as camas mais rápido do que eu pude acompanhar enquanto observava, como se aquilo não fosse nada e que já estavam acostumados demais com o trabalho de mudanças. Os mais novos se juntaram com minha mãe para varrer o chão da casa toda e se comprometeram em voltar na manhã seguinte para terminar o trabalho. Quando acordei, no dia seguinte, lá estavam todos eles: alguns limpavam as paredes e outros o piso, a maioria em silêncio, muito concentrados no que faziam, mas minha mãe insistia em puxar assunto com qualquer um que dividisse e mesmo cômodo que ela. Lembro de ter percebido que eram bem diferentes um dos outros e que ao mesmo tempo compartilhavam semelhanças óbvias entre si. Talvez, se eu os visse em uma outra situação, não teria pensado que fossem irmãos, primos e afins, apenas amigos muito próximos. Mas depois daquele dia, vendo todos juntos ali, um ao lado dos outros, eu tive certeza absoluta que eram uma só família. Até mesmo os adotados tinham um selo "B" estampado em sua aparência. Como se, assim que tivessem entrado para aquela família, tivessem automaticamente absorvido sua essência. Era algo no olhar... Eu não saberia explicar direito o quê, mas estava lá o tempo todo para um bom observador de olhares.
Caminhei até a varanda, onde tinha montada uma mesa de madeira com um pano xadrez vermelho a cobrindo de ponta a ponta e várias bandejas com biscoitos e mini-sanduíches naturais e frutas variadas para o café da manhã, várias jarras coloridas e chaleiras de alumínio com sucos e chás diversificados. Aproximei-me para pegar um copo e guardanapo para escolher com qual deles quitutes iria quebrar o jejum. Ouvi o barulho rítmico de alguém batendo o pé na madeira... Uma figura humana sentada no canto escuro entre a parede da casa com a proteção de madeira que contornava a varanda. Uma criança com óculos escuros e chapéu preto igual a cor do suéter, calça e AllStar que usava. Uma figura que entrava em total contraste com todas as cores quentes e alegres que o resto do ambiente passava. Ali, na sombra fresca da varanda, eu podia ver a grama verde que se estendia com flores brancas, amarelas e laranjas que cresciam próximas a cerca marrom desbotada que contornava os limites da minha nova morada. Ajeitei o cabelo o prendendo em um coque e voltei o olhar ao meu irmão mais novo que estava muito bem acomodado nos braços de minha mais nova companhia, adormecido, e não aparentava que iria acordar em um futuro próximo.
- Eu acho que seria bom para você se provasse o suco da jarra vermelha junto com os biscoitos em forma de coração. - Disse a criança vizinha que, pela voz, tinha aproximadamente a minha idade.
- Posso pensar nisso, sabia? Hm... Qual o seu nome?
- Morgan - disse rispidamente e deu de ombros - E eu acho que deveria seguir o meu conselho. Esses biscoitos são... Bem... Eles são deliciosos. Isso que importa.
Peguei um dos biscoitos em forma de coração e levei à boca. Tinham sabor de cereja e de chocolate, com um toque de hortelã no final. Me dediquei um pouco mais ao saborear o segundo biscoito, o depositando com cuidado na ponta da minha língua e sentindo o polvilho derreter assim que entrou em contato com a saliva. Dessa vez, pude perceber também um toque de baunilha, apesar de ser bem sutil, que não tinha reparado antes. Eu dei um sorriso animado e coloquei mais alguns biscoitos no guardanapo que pretendia usar de prato só para não precisar sujar um de verdade.
- Jarra vermelha, você disse, não é? Morgan.
- Isso mesmo... Olha, na verdade, eu menti para você. É um chá gelado, não um suco... Mas fica excelente com os biscoitos. Minha vó que faz.
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Chifre e Marfim - Os guardiões da magia onírica
Ficción GeneralPertencer a uma família de magos e bruxos poderosos que é inteiramente dedicada aos deuses oneiros e à Hipnos parece algo incrível. Mas quando o bem estar de seus amigos começa a ser posto em risco por seus assuntos familiares, você se torna respons...