Ninho

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Como começar a narrar essa história?

Devo me apresentar?

Meu nome é Aurora Park, tenho 24 anos e sou, como costumam dizer aqui na Coréia, uma mestiça. Minha mãe era inglesa e meu pai coreano. Eu nasci com traços de ambos: puxei os cabelos cor de mel da família de minha mãe e os olhos puxados e escuros de meu pai. Fui criada em Liverpool e amava minha realidade até o fatídico dia daquele acidente: motorista de caminhão bêbado e uma curva fechada resultaram em uma filha órfã aos 17 anos. Pois é. Acabei indo parar em uma casa de assistência social até conseguir a documentação necessária para poder morar sozinha. A última pessoa da família que havia restado era a minha avó paterna, ela não era mais lúcida e vivia num asilo em Busan. Quando me mudei para cá, a visitei todas as semanas e quando finalmente me apeguei à sua companhia e me apaixonei por seus devaneios e ficções - resultados da doença -, ela também partiu.

Por que a vida real precisa ser assim?

A realidade é má, mas não é uma droga. A imaginação sim é uma droga e é uma das fortes. Por isso, acabei a usando e me tornei totalmente dependente dela. Pouco a pouco, parei de me importar ou me envolver em qualquer tipo de relacionamento; eu fujo das pessoas e me isolo. Passei a me entregar somente aos meus estudos, aos livros e personagens fictícios, fanfictions e poemas. Estudei Literatura Inglesa e consegui vir para Busan terminar meus estudos na mesma área por aqui - incluindo o idioma coreano que antes me era tão pobre e difícil. Iniciei a pós graduação na Universidade Marítima e Oceânica da Coréia e posso dizer que estou indo muito bem. 

Mas é só isso mesmo...

Gostaria que minha vida fosse como os doramas que assisto. Gostaria de me apaixonar e viver um grande romance. Eu acreditava que minha história seria melhor que qualquer livro que já li e mais mágica do que qualquer filme da Disney; mas com o passar dos anos percebi que a realidade não permitiria tal coisa. Me desapeguei dos sonhos de menina.

Me lembro bem que naquele dia eu cheguei atrasada para a orientação da pós. Fechei o apartamento correndo e saí como uma doida descabelada até chegar no ponto de ônibus. Retornei pra casa no entardecer, quando já estava quase totalmente escuro e foi aí que o vi pela primeira vez.

— Ah, pobrezinho! Você ficou preso aqui dentro? Eu não te vi entrar! Cadê seus pais? - O pardalzinho me olhava sem reagir, sequer tentou voar. Soltou um piado triste, enquanto eu fui até a janela da sala para tentar localizar alguma árvore próxima onde o ninho deveria estar.

Voltei meu olhar para ele e o mesmo ainda estava imóvel no chão. Já estava escurecendo e eu não podia simplesmente colocar o bichinho pra fora. Eu sabia que meu vizinho tinha gatos e além disso, ele era apenas um pardal filhote, provavelmente ainda não sabia voar.

Eu definitivamente amo pássaros e os pardais - os mais comuns do mundo - são meus favoritos. Meu coração logo se derreteu por ele, eu precisava protegê-lo. Pesquisei na internet tudo o que pude sobre pardais e sobre como cuidar de um filhote perdido. Preparei uma cestinha pequena e confortável para ele e a enchi com algodão. Ele permitiu com facilidade que eu o pegasse nas mãos e o colocasse no novo ninho. Também permitiu que eu fizesse carinho em sua cabecinha e ajeitasse duas ou três pluminhas que estavam fora do lugar - provavelmente por causa das tentativas frustradas de sair de dentro do apartamento. Não demorou para que seus olhinhos fechassem. Estava com sono. O cobri com mais algodão e fiquei observando aquela cena: um ninho improvisado e um pardal filhote dormindo no meu colo. Me senti abençoada.

No outro dia, iria tentar procurar por seus pais, mas pelo menos naquela noite eu e ele dormiríamos tranquilos sabendo que ele estava seguro.

— Durma bem, pardalzinho! - O coloquei em cima da cabeceira de minha cama e fui me ajeitar para dormir.

Penas, Poemas e Nós Dois • jjkOnde histórias criam vida. Descubra agora