capítulo único: quero tatuar o artemis.

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todo dia avistava (pelo menos a silhueta) de meu vizinho, goo gunil, atravessar a calçada estreita de nossa rua em direção ao supermercado que ficava a três quadras de sua casa de portão amarelo e paredes azuis, excepcionalmente chamativa. lá, goo trabalha no caixa, sorrindo para velhinhas fofas encurraladas pelas sacolas de frutas e a idade avançada; e falsamente para as crianças mal-educadas que tomavam o chão em troca de um chocolate em forma de ovo, com um brinde horrendo. fazia qualquer mãe em crise financeira chorar rios de lágrimas. em meus anos de experiência, posso confirmar que somente o doce é bom. infelizmente, o restante é uma lástima.

o garoto era fofo. pelo menos as vezes que fui comprar besteiras ou suprimentos realmente necessários e pude de fato enxergá-lo. gunil era um conjunto coerente.

contudo, o que me cismava copiosamente era sua tatuagem de gato preto na perna esquerda. o relance me deu a identificação. soube que não era uma mancha quando exatamente às 7h00 da manhã, numa empolgação que nunca houve antes — mas que evidencio que fora causado pelo novo álbum do paramore, minha banda favorita de todos os tempos. colocava o saco de lixo em seu devido lugar, quando passou absorto próximo à mim, caminhando para o trabalho uniformizado com a veste vermelha estampada com símbolo do mascote... até hoje não sei dizer que  criatura seria aquela.

assim que entrei pela porta, corri em direção ao computador situado no quarto de bagunças (apelidado de escritório) e busquei pelo navegador o significado do famigerado bichano. digitava rapidamente e o mouse coitado, nunca sofreu tanto em minhas mãos. meu inglês ridículo permitiu um: "ratos que se fodam".

era muita adrenalina para uma coisa tão... básica. na internet haviam múltiplas associações, sendo a mais evidenciada o espírito livre. meus devaneios rodeavam naquilo... então gunil era do tipo contemplativo quanto à vida?

gastei bons minutos do relógio — arredonde para horas — que minha mãe ganhou inesperadamente de aniversário. ninguém fica feliz com um ganho desses, porém creio que não seja um presente grego pela boa utilidade.

mas não para por aí. meses se sucederam, batendo na trave as minhas aguardadas férias de verão. mentalizei ser o masterchef da casa ao invés de como e qualquer adolescente viver um grande amor que causasse muitos arrepios e o coração descompassado. vi na conta de uma senhora esplêndida, a receita de panquecas. faltava-me queijo, do tipo mussarela.

deixei o celular no balcão e segui caminho para o mercado, em busca do ingrediente faltante. caminhando lentamente pelos corredores, decidi pegar também alguns doces para a sobremesa, pois ninguém é resistível a tentação que o açúcar proporciona.

terminando minha compra, faltava somente colocar tudo nas sacolinhas. percebendo que naquele caixa estava gunil embalando os produtos, lhe dei um básico "bom dia".

assim que retribuído, não me contive:

— gunil... — o triplex já estava montado em minha mente, não havia escapatória — você curte o conceito de liberdade?

— o quê? — sua voz denunciava certa confusão.

e quem não estaria com um moleque indagando se você gosta de estar livre... é tão redundante.

— sabe... sua tatuagem. o significado, do que se trata?

uma gargalhada gostosa e suas mãos cobrindo a boca foram automáticas. gostaria de explicá-lo todo meu processo árduo de pesquisa,  ademais só iria prolongar meu constrangimento gratuito em público.

— é que sou muito fã de sailor moon. essa tatuagem é da luna.

entrei num estado de falta de reação, até ligar os pontos mentalmente. colocar a sacola em minha cabeça e falecer asfixiado não seria uma má ideia.

— sério, me perdoe... — soltei um murmúrio envergonhado.

— já consultou um oftalmo? — me questionou com semblante preocupado, enquanto entregava os materiais.

— não... mas acho que 'tô precisando.

descobri uma miopia severa. porém, o que importava era o bônus desta situação. pois, graciosamente, ganhei todos os sábados a presença de gunil em meu lar para assistirmos sailor moon e escutarmos o diamante lapidado que é o after laughter. e em sequência de nossas maratonas, ainda continha o mousse de limão para saborearmos. confirma-se minhas habilidades alimentícias em evolução. o acaso traz o destino, posso afirmar também.

é magnifíco enxergar minuciosamente as transformações das sailors e seus olhos refulgirem sobre a televisão de tantas polegadas encima da estante.

(♡)

— primeira de 2022! uma bem soft pra aquecer o coração :)

— planejava postar a xiaoshiro primeiro, mas o resultado ainda não me agradou. assim que me sentir satisfeita com os ajustes, postarei <33

— 22/01: dei uma pequena revisada. porém, se avistar qualquer erro, me comunique!

sacolas plásticas ✧ guyeonOnde histórias criam vida. Descubra agora