Quando nos tornamos amigos

146 18 11
                                    

Meu cotidiano corre exatamente da mesma forma, fico o dia todo no quarto, na biblioteca ou em aula, tenho o luxo de fazer apenas isso e não ser obrigado a trabalhar.

Meus pais querem que eu dê atenção total e exclusivamente para o curso de arquitetura que estou fazendo e eu agradeço a eles por essa oportunidade, olho para as pessoas que precisam trabalhar e estudar e percebo o quanto é difícil conciliar os dois.

E o Kim é uma dessas pessoas, no final do dia ele me conta tudo o que aconteceu com ele, conversamos durante horas e eu sei que do outro lado da tela do celular ele está morrendo de sono, mesmo assim permanece ali comigo, as vezes até tarde da noite, já até discutimos sobre isso, eu queria que ele fosse dormir para descansar mas ele queria conversar um pouco mais, essa foi nossa primeira discussão.

Uma discussão tão boba que foi até engraçada no início.

Meus dias insuportavelmente chatos se tornaram uma espera contínua pelo momento em que me trancaria em meu quarto para bater papo com o Kim, tínhamos apenas uma aula na semana juntos, lá mal nos falávamos e por mais que compartilhemos o mesmo dormitório as alas são diferentes e não nos encontramos, então acaba sendo sempre assim, no escuro do quarto a portas fechadas e um celular na mão, como se fosse algo secreto, como se fosse algo errado.

Claro que na minha cabeça era errado, o que meus pais iriam achar se soubessem que tenho um amigo que parece um gibi de tão pintado que seu corpo é, ou pior se soubessem que ele sai a cada final de semana para beber e fazer sabe Deus o que, definitivamente ninguém poderia saber sobre nossa amizade, sinto que ninguém precisa saber na realidade.

Então estou aqui mais uma vez.

Entro no quarto fecho a porta e aguardo ansioso a mensagem dele, isso já se tornou rotina, estamos nessa brincadeira há três meses, parece uma amizade a distância, por mais que tenhamos aquela aula por semana juntos, mas uma amizade que me deixa tão extasiado que não consigo explicar a motivação.

Hoje recebi a notícia da sua promoção na empresa, fiquei extremamente feliz por ele, mas a felicidade durou exatamente vinte minutos, pois ele avisou que iria sair para comemorar com alguns amigos e eu não faço parte do grupo que ele divide esses momentos, isso me trouxe um aperto instantâneo no coração, eu queria fazer parte da vida dele de verdade, não apenas por mensagens, mas há algo, há algo que me prende, um medo de não ser visto com bons olhos ao sair com uma pessoa como ele, não que ele seja algum tipo de delinquente, sei que não é, mas há algo nele que diz que ele não faz parte da minha vida e eu não fui feito para fazer parte da dele.

Mais tarde recebo uma mensagem avisando que já estava em casa, pela quantidade de letras trocadas está bêbado, o que não é bom para alguém que acabou de receber uma promoção, ainda estamos no meio da semana, e digo isso a ele, mas ele não gosta e diz que estou tentando cuidar da sua vida e o que ele faz ou deixa de fazer é algo que não compete a mim.

Mais uma pequena discussão acontece.

No dia seguinte, sóbrio e com a consciência pesada ele me leva chocolate na sala de aula, mal acreditei quando o vi na porta da minha sala me chamando para conversar, os meninos me olharam com estranheza, eles não faziam ideia das nossas conversas todos os dias, então fui até lá receber o presente, que nada mais era para sua consciência ficar mais tranquila.

- E-eu não deveria ter falado com você daquela forma - foi a primeira coisa que ele disse ao me entregar a caixinha cheia de bombom.

- Tudo bem, eu realmente não tenho nada a ver com a sua vida - falei triste pois após pensar bem também cheguei a essa conclusão.

- Não, não é assim Jungkook, eu falo mais coisas para você do que qualquer outra pessoa, você sabe muito sobre mim mesmo estando aqui há pouco tempo - ele parecia sincero ao dizer essas coisas.

- Mesmo assim Kim - ele me interrompeu.

- Taehyung, pare de me chamar pelo sobrenome Jungkook - ele disse demonstrando que estava chateado.

- Tudo bem Taehyung, eu não sou exatamente nada seu, não deveria ter te falado nada daquilo, você teve razão - depois do que li nas mensagens também comecei a pensar assim, afinal o que realmente somos?

- Jungkook, você não me considera nada seu ? - seus olhos estavam presos aos meus, não sei bem o que deveria responder, não que eu não o considere um amigo, apenas não convivemos na realidade para saber classificar o que somos.

- E-eu não sei Taehyung , nós conversamos apenas por mensagens, pessoalmente a gente nem se fala, eu realmente não sei - falei sincero.

- Nós podemos nos ver mais, nos encontrar aqui na universidade algumas vezes, gosto da sua companhia ela me acalma, gosto de conversar com você Jungkook - seus olhos tristes transbordaram em súplica.

É extremamente difícil quando você percebe que o próximo passo que você está prestes a dar pode mudar toda a história que você planejou para você mesmo.

É exatamente assim que estou me sentindo nesse exato momento, minha razão tenta me avisar que não é uma boa ideia continuar essa estranha amizade com Taehyung, mas meu coração, meu coração me diz que por algum motivo não posso deixá lo assim sem ao menos tentar.

Mas tentar, tentar o que? As amizades acontecem naturalmente, porque com ele parece tão difícil? Por que apenas um passo na direção dele parece poder me levar direto ao mais profundo abismo ?

- Tudo bem Taehyung, podemos nos encontrar algumas vezes - acabei concordando com sua ideia.

- Certo, você me manda mensagem quando quiser me ver - ele se afastou com aquele sorriso nos lábios, o sorriso que consegue me desmontar por completo.

E mais uma vez aquele sentimento estranho em meu peito se fez presente.

Encontros & DespedidasOnde histórias criam vida. Descubra agora