Eu já estava um pouco cansado daquilo. Daquela rotina de todos os dias. Eu sei que eu poderia fazer muito mais do que eu faço mas eu sou alguém naturalmente preguiçoso.
São 14:45 da tarde em Nova York. E preciso correr para a minha aula de dança que começa às 15:00 em ponto. Como eu vou fazer isso, levando em consideração que meu apartamento fica a 20 minutos de metrô até o estúdio da Madame Syella? Não sei.
Me enrolo nos lençóis verdes claros da cama. Meu quarto é grande para alguém que mora sozinho aos 19 anos em outro país. Tá legal, "morar" foi um termo bem forte agora mas eu imagino que seja algo desse tipo. Passar um tempo? Alugar um lugar? Tudo isso significa que estou morando, certo? Enfim. Preguiçosamente eu pego o celular na outra extremidade da cama. Johanne já me ligou 4 vezes e provavelmente deve ter me mandado diversas mensagens perguntando se já estou a caminho — ela está arquivada, tadinha.
O celular toca novamente e o nome de Johanne aparece com um trevo da sorte acompanhado. Respiro fundo duas vezes e atendo a chamada, do outro lado, a voz — geralmente — calma de Johanne parece muito mais agitada que o normal.— Ficou MALUCO?! Em que buraco você se meteu? — Consigo imaginar que ela está parada em algum local aberto, pela quantidade de ruídos que saem no fundo da chamada, com uma das mãos na cintura e usando a bolsa crossbody rosa choque que deve conter a roupa que usa para o treino de balé. — Você vai faltar? Logo hoje, Noah? Vamos fazer a definição dos pares para a apresentação do final do semestre.
— Eu sei que dia é hoje Johanne. — Respondo cansado jogando metade do corpo para fora da cama.
— É mesmo? Pois não parece.
— Joh, eu estava pensando...
— Nem vem. Se você vai desistir nos 45 do segundo tempo, pouco antes de uma apresentação, eu não olho na sua cara nunca mais.
Johanne era a pessoa que eu trouxe comigo do Brasil. Alguém que estava comigo desde antes de nascermos. Éramos o que as pessoas comumente chamam de almas gêmeas. Ela sabia que eu dançava desde muito cedo, minha mãe foi uma das pessoas que mais me deu apoio, enquanto meu pai... bem, meu pai ficava por ali, observando de longe. Não que em algum momento ele estivesse perto de fato. Quando recebi a proposta para o intercâmbio em Nova York para cursar uma matéria específica de Literatura Inglesa Moderna, Johanne também recebeu uma proposta para estudar a História Antiga da cidade de Nova York. Comemoramos no dia e fizemos um jantar com direito a tábua de frio, vinhos, música alta e nossos amigos da universidade no Brasil. Foi algo mágico. Apesar disso, eu vinha enfrentando um dilema com a dança nos últimos anos. Quando contei para Joh que queria parar de dançar, ela começou a fazer aulas para me incentivar a continuar, há 4 anos atrás. Fui muito grato, e conversamos sobre ela não precisar fazer isso por mim, mas Joh é uma das garotas mais teimosas que já conheci na vida.
— Podemos pelo menos apresentar até o final do semestre? — Ela suspira agoniada. — Amigo, eu sei que você não desistiu da ideia de parar se dançar, e você sabe também que eu estou sempre aqui para quando você quiser conversar. Mas acho muito ruim você abandonar assim, bem no meio do processo. Tem pessoas contando com você. Eu estou contando com você.
Eu cedo. Ela sabe que não haveria como eu discutir quando ela falasse que ela estava contando comigo. Joh era mais que minha melhor amiga, era minha irmã.
— Tudo bem. Vá na frente, vou pegar um carro e te encontro no estúdio.
— Beeeijos, gato!
Coloco o celular na bancada que uso para estudar. Johanne e eu já estamos em Nova York há 6 meses. Nosso intercâmbio é de 1 ano e 6 meses. Ainda faltava um ano inteiro pela frente. Mesmo com todas as dificuldades no início, nos adaptamos muito bem. No primeiro mês eu consegui um emprego de meio período na Livraria Kinokuniya, em frente ao Bryant Park, enquanto Joh conseguiu uma vaga em uma Starbucks próximo ao Rockefeller Plaza. Eram empregos que pagavam bem o suficiente para mantermos nossos apartamentos, e sim, morávamos separados. Johanne costuma ser muito festeira e gosta de trazer alguns convidados para casa depois das festas — se é que me entendem. Já eu, costumo ser muito mais caseiro. Somos o conceito literal de gato preto e golden. Ugh, isso foi brega.
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Meu lado físico do amor
RomanceNoah está vivendo o sonho de qualquer adolescente que sonha em estudar literatura: está intercambiando Literatura Inglesa pela NYU. Carioca com um nome americanizado, Noah já está há 6 meses em Nova York com sua melhor amiga Johanne (Joana para os í...