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Madame Syella me chamou assim que a música parou de tocar em seu rádio de guerra — o coitado já estava tão no final de sua vida que demorava cerca de 25 minutos para desligar. Sentada em seu puff com estampa de onça, ela retira os óculos em formato de meia lua que havia colocado no meio da aula e dirige o olhar para mim.

— Então... Noah. Quer me contar o que aconteceu?

— Vai precisar ser mais específica, Madame Syella.

Eu sei do que ela estava falando, meu desempenho na aula de hoje havia sido um pouco abaixo do que normalmente é. Tinha certeza que ela tinha notado isso.

— Hoje, quando você chegou no estúdio, eu lhe disse que percebi algo de diferente em você bem antes de você me mostrar. Tem algo te incomodando?

— Na verdade, Madame Syella, já vem um tempo que quero conversar com a senhora sobre isso. Não é de hoje que eu sinto que a dança não me pertence mais. — Eu a encaro, ciente de que, como professora, devia ser difícil ouvir aquilo. — Veja bem, eu danço desde muito novo, não sei dizer se quero continuar com isso daqui para frente. Não sinto mais a paixão que sentia antes.

A senhora na minha frente não diz nada assim que termino de falar. Ela me olha, endireita as costas no puff e solta suspiros entrecortados. Não consigo dizer ao certo se o que ela está tentando transmitir é decepção ou se está de fato tentando entender o que estou querendo dizer. Espero muito que seja a segunda opção.

— Está me dizendo que não quer mais dançar. É isso?

— Sim.

— Bem, — Ela apoia as mãos nos joelhos cobertos pela meia-calça preta. — e como Alda está lidando com essa informação? Só para saber se preciso ter alguma reação melhor do que a que estou tendo.

— Pois é... — Olho para Joh que está ao meu lado.  Ela sabia que eu ainda não tinha nem pensado em mencionar isso com Professora Alda.

— Ela não sabe, não é?

— Não...

— Escute com atenção, Noah. — Ela fala se levantando e andando pelo salão. Uma silhueta elegante e não muito alta, mas também não muito baixa. — Não sei que tipo de reação você esperava que eu fosse ter quando me contasse que não deseja mais dançar. Não é algo que posso mudar sua cabeça, ou seu coração. Se algo dentro de você te diz que chegou a hora de parar por aqui, então seja grato ao processo que teve ao longo desse caminho e se despeça com boas lembranças. Existem momentos onde nosso corpo precisa de novos ares e deixas para trás antigos costumes. Não estou chateada por sua decisão, — Ela se apoia em uma das barras e seu corpo entra em constraste com o laranja de 17:30 da tarde. — meu maior desejo é que você seja feliz. Sou grata por presenciar seu potencial e ainda mais grata por ter sido alguém que te ajudou nesse processo.

— Madame Syella, também sou grato por ter sido seu aluno. — Me levanto e ando até chegar ao seu lado. — Ficarei até o dia de nossa apresentação, depois disso, encerro minha matrícula aqui.

— Tudo bem, querido. — Ela leva uma das mãos ao meu ombro novamente e faz um pequeno carinho com os dedos antes de voltar o olhar à Joh. — E você Johanne, pensa em sair também?

— Acho que não, eu gosto daqui. — Fala com uma risada e nós três abrimos um sorriso.

Na volta para casa, Joh não para de falar sobre o quanto estava animada para o novo semestre que se iniciaria na universidade e se entrariam novos calouros. Eu não ligava muito se entrariam novas pessoas ou se continuariam as mesmas, tirando Johanne, eu tinha um total de três amigos na universidade . Se te disseram por aí que os gringos costumam ser calorosos com brasileiros, te contaram uma mentira. Logo que chegamos, — mais eu do que Joh — não fomos muito bem recebidos na nossa área. Apesar do lado super extrovertido de Joh, ela ainda sentiu dificuldade em fazer amizades, mesmo assim conseguiu por frenquentar festas e ser alguém muito prestativo que geralmente, atrai muito a atenção das pessoas. Além de ser uma pessoa bonita. O que era bem contraditório a minha personalidade e aparência. Enquanto Johanne era uma garota de longos cabelos tingidos de vermelho cobre, olhos cor de mel e pele bronzeada, eu era um garoto magro, com alguns cravos no rosto e apesar da pele morena, eu ainda parecia pálido. Fora que, o cabelo curto sempre enrolava para cima se batesse o mínimo de vento.

Meu lado físico do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora