Prt 1 - O desejo

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Um homem se preparava para confessar um pecado diante de mim, separado pela madeira escura do confessionário, poderia expôr todo o mal de suas ações a fim de que eu lhe concedesse perdão diante de Deus.

ㅤ ㅤ— Vim de muito longe para confessar um pecado que cometi há muito tempo, na primeira vez em que pisei nessa igreja. — Sua voz permanece baixa e calma enquanto conta, as palavras fluem como um rio continuo e o medo não parece estar presente em sua mente. É diferente de muitas pessoas que antes já vieram até mim.

ㅤ ㅤPosso ver sua silhueta escura através dos pequenos furos na madeira que acredito serem feitos exatamente com esse propósito; sua cabeça permanecia baixa, ele continuava a encarar suas mãos, que mantinha cruzadas de maneira firme.

ㅤ ㅤ Espero pacientemente por suas falas, mas ele resolve entrar em um regime de silêncio tal como um prisioneiro prestes a ser condenado à forca. Isso sempre me irritou durante as confissões, se as pessoas esperam perdão então precisam primeiro contar o pecado delas, afinal eu sou um padre e não um adivinho. Como ele não se manifesta, decido perguntar.

ㅤ ㅤ— O que o fez guardar esse pecado consigo por tanto tempo?

ㅤ ㅤ— O receio de que alguém descobrisse, o medo de acabar cedendo a ideia de cometer tal ato. Tentei me livrar disso de várias maneiras mas nunca encontrei uma solução que funcionasse... então imaginei que deveria deixar de lado o medo.

ㅤ ㅤPrestei muita atenção em cada palavra, esperando uma grande confissão a cada frase. Mesmo com todas as aulas sobre a ética de um padre diante de uma confissão, não podia deixar de manter comigo a curiosidade em relação ao pecado alheio. Quanto mais as pessoas enrolavam para contar, mais curioso eu ficava, e isso sempre foi mais forte do que eu. Imagino que, se não fosse padre, seria um dos moradores da cidade que sabem tudo da vida de todo mundo.

ㅤ ㅤAs vezes a curiosidade me fazia imaginar as coisas, de modo que eu mal prestava atenção na confissão. Agora mesmo eu estava pensando no que poderia ser tão grave para que alguém escondesse isso por tanto tempo, por que a simples ideia de conceber o ato o assustava tanto? Depois de me perder um pouco em pensamentos notei que ele já havia voltado a falar.

ㅤ ㅤ— O meu pecado, padre, foi cobiçar alguém. — Agradeço imensamente por ele não poder ver a cara de desapontamento que eu fiz quando ele finalmente falou. - Tenho tido esse desejo reprimido dentro de mim por tanto tempo, não estou mais aguentando. Passo as noites pensando em como seria a sensação de tê-lo em meus braços. Em meus sonhos, o vejo praticamente todas as vezes...

ㅤ ㅤEra tão simples que chagava a ser um pouco deprimente, era apenas um homem solitário pensando demais em alguém. Tudo bem, a cobiça é um pecado, mas sinceramente... eu não perderia meu tempo confessando sobre isso pra ninguém. Até mesmo eu já tinha pensado em coisas relacionadas uma vez ou outra e tudo que precisava fazer era ignorar. Eu queria dizer isso a ele, mas supondo que estava mesmo tão interessado em um perdão, resolvi dar a ele o que tanto queria.

ㅤ ㅤ— Muito bem, você está perdoado. Eu só vou pedir para que você confesse para a pessoa sobre o seu desejo e assuma a consequência disso, afinal ela merece saber sobre seu desejo carnal.

ㅤ ㅤEu não sabia dizer se ele já havia terminado ou não de confessar, mas fiquei tão desapontado que sai de minha cabine mesmo assim. Do lado de fora, ele - que aparentemente já tinha saído - me esperava. Segurou minhas mãos próximas ao rosto ainda levemente molhado pela chuva, e beijou-as.

ㅤ ㅤ— Eu já estou confessando. — Os olhos brilhando de emoção olhavam diretamente nos meus, foi quando senti um pequeno nó se formar em minha garganta. Por um segundo eu não havia entendido o que ele quis dizer com aquilo, mas logo tudo começou a ganhar clareza. Então a pessoa de seus sonhos eróticos e razão do pecar era... eu. — Tenho tido todo tipo de sonhos com você desde a primeira vez em que te vi, e já não consigo mais controlar isso.

ㅤ ㅤPuxei minhas mãos e recuei, engolindo aquela bola de pânico que se formou em minha garganta. Sinceramente eu já havia entendido aquilo, mas parecia tão surreal que não podia ser aquilo mesmo.

ㅤ ㅤ— O que você está querendo dizer com isso...?

ㅤ ㅤ— Quero dizer estou interessado no senhor, padre.

ㅤ ㅤ—  O quê? Não! — meu recuo ficava cada vez menos discreto conforme ele se aproximava de mim. Sua aproximação não era agressiva ou assustadora, mesmo assim me sentia na obrigação de fugir dele. Uma urgência em sair daquele lugar e desviar o olhar para longe de seus olhos que, enquanto pareciam girar em tons de castanho e verde, me davam a impressão de que liam minha alma. —  Está ficando louco, o que significa isso?

ㅤ ㅤ— Significa que eu quero tocar você, beijar o senhor. Fazer todo tipo de coisa que nós dois como homens não deveríamos fazer juntos.

ㅤ ㅤChegamos a parede finalmente, foi quando percebi que não havia lugar por onde eu pudesse fugir dele. Suas mãos se apoiaram na parede, obstruindo minhas saídas; com tão pouco me senti preso diante da presença dele, que cada vez mais parecia tomar o controle.

ㅤ ㅤSua voz de repente parecia muito mais macia do que antes, um tom de quase sussurro, como se ele estivesse tentando não ser ouvido por mais ninguém além de mim. O que não fazia muito sentido pois estávamos a sós na igreja. Não conseguia tirar os olhos dos dele e a sensação de estar sendo interpretado me deixava aflito, então desviei a cabeça para encarar o chão, esperando que minha cabeça voltasse ao seu estado normal de pensamento.

ㅤ ㅤQueria mandar ele embora, mas não sabia mais como se dizia isso. Tudo parecia estar ficando muito confuso.

ㅤ ㅤ— Veja bem, você com certeza não está pensando direito! Só está confundindo tudo. Eu vou rezar por você para isso parar então por favor saia do meu caminho...

ㅤ ㅤMesmo pedindo ele não se moveu para longe, mas na verdade aproximou mais a cabeça da minha. Pude sentir o ar quente de sua respiração ao pé da minha orelha, um ritmo viciante que confundia o meu próprio sistema automático. Parecia querer convidar meus pulmões a respirarem em um uníssono com os dele.

ㅤ ㅤ— Não, padre, eu não estou confundindo. Eu sei bem o que estou desejando, e sei que você também sabe.

ㅤ ㅤEntrei em um frenético ciclo de negar com a cabeça enquanto ele falava ao meu ouvido. Aquilo era um absurdo, e senão um dos, o maior que eu já tinha ouvido em toda minha vida! Eu sou um padre, e para muito além disso, sou um homem! Mas principalmente, um padre, que nem com mulheres pode se relacionar, quem dirá então um homem!

ㅤ ㅤAquilo era tão errado que acho que nem mesmo se eu passasse o resto da vida rezando, poderia ser perdoado.

ㅤ ㅤContinuei negando piamente enquanto ele parecia se divertir com o meu desespero. Agora já não estava tão perto do meu ouvido, mas se aproximava de minha boca.

ㅤ ㅤ— Não pode fazer isso. — Falei finalmente parando de me mexer, mas minha voz saiu tão baixa que eu duvido que ele tenha me escutado. Sua boca estava tão perto da minha que eu podia sentir aquele calor que emanava dele. Eu sabia muito bem que poderia empurra-lo para longe ou cobrir a boca, mas simplesmente não conseguia me mexer, meu corpo não obedecia a nenhum dos meus protestos contra ele. Era quase como se estivesse esperando por aquilo.

ㅤ ㅤNaquele exato instante um trovão rasgou o céu e fez sacudir o chão sob nossos pés. O susto fora suficiente para que meu coração, que já estava disparado, batesse ainda mais fervorosamente.

ㅤ ㅤSenhor, isso só pode ter sido um sinal...

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