Queimem As Bruxas

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Voltar até a cabana de Jimin nas montanhas não foi algo de fato difícil para Taehyung. O jovem aproveitava todas as viagens até a cidade para sempre retornar pelas trilhas do sul, e por mais que os Jung achassem aquela sua decisão estranha, eles não tinham muito o que fazer ou falar para irem contra. E assim como o espírito havia pedido, o Kim não tinha dito nada a ninguém sobre a existência do mesmo.

Ainda era muito curioso para si, sim, ter um elemental do ar bem em sua frente, falando consigo, lhe dando respostas para as milhares e milhares de perguntas que tinha para fazer sobre tudo aquilo que estava vivendo. Era como participar de uma lenda. Pois era aquilo que as histórias sobre aqueles seres pareciam para si: apenas contos. Simbolismos. Formas de mostrar aos povos pagãos que a natureza tinha vida e aquela vida era essencial para o mundo. Taehyung via tudo daquela forma... Até conhecer Jimin.

A primeira visita oficial ao espírito tinha sido muito mais interessante do que poderia ter imaginado. O humano tinha muitas perguntas, e apesar do outro demonstrar quase nenhum interesse em respondê-las, ele tinha feito sem reclamar. O elemental havia contado sobre a lição da mãe natureza e sobre a razão de viver em um corpo humano ao invés de morar no plano dévico, onde os demais espíritos residiam longe dos olhos maléficos dos seres humanos. Segundo ele, algum pecado em sua vida passada havia condenado-o a existir como espírito da natureza dentro de um corpo humano, e Taehyung só tinha conseguido tirar dele essa informação depois de insistir incessantemente até que a paciência alheia se esgotasse.

Jimin era daquele jeito, ele não sabia bem conviver com seres humanos e várias vezes soava muito bruto ou insensível, até mesmo com outros espíritos —‌ com os quais ele interagia raramente. Mas o Kim gostava. Achava divertido como o mais velho não tinha medo algum de ser julgado ou repreendido. Ele era rígido feito rocha. Um elemental que havia sido castigado e por conta própria se exilado dos demais da sua espécie. Jimin estava longe de ser solitário, ele fazia tudo aquilo porque bem queria e o camponês não teve dificuldade para perceber.

E o mais intrigante para si era que, mesmo tão cheio de sabedoria e poder, o espírito se deixava levar facilmente pelos sentimentos. Taehyung já tinha perdido a conta de quantas vezes haviam discutido por motivos fúteis e banais, que não os levariam a lugar algum, simplesmente porque ambos tinham opiniões fortes e orgulho demais para deixarem tudo de lado e aceitarem suas diferenças e singularidades.

Apesar ainda de todas as dificuldades ao estarem juntos, o Kim não conseguia simplesmente parar de visitar o mais velho. Havia algo na energia intensa que emanava dele. Algo no ar, no cheiro de arruda e guiné tão bom e transmissor de tamanha paz dentro daquela cabana. Algo na forma como fechava seus olhos dentro daquela pequena e mofada casa de madeira e se sentia plenamente tranquilo: em casa. Era a maior sensação de conforto que já tinha sentido em toda a sua vida.

A primeira vez que meditou ali dentro, sentiu arrepios pelo corpo inteiro. Era como fazer parte da floresta e senti-la por completo. O sereno gelado, o som do vento uivante que atravessava cada mísero canto empoeirado e coberto com teias de aranha daquela montanha... E quem havia lhe mostrado todas aquelas sensações novas tinha sido Jimin.

Fora Jimin quem havia sugerido experimentar relaxar na cadeira, fechar os olhos e meditar. Fora ele que havia segurado em suas mãos para meditarem juntos, e ele quem ousou mostrar a si qual era o verdadeiro poder de um elemental.

Naquela tarde, Taehyung se lembrava perfeitamente de ter sua mente levada às alturas, literalmente. Viu o pôr do sol pelos olhos de uma águia que sobrevoava a montanha. Uma rajada intensa de vento soprou, e junto a ela adentrou a densa floresta e chacoalhou incontáveis árvores. Planou pelas folhas caindo metros abaixo, e presenciou o som único que o vento contra as rochas no pé da montanha por onde se passava um dos rios da região fazia. Era como um sonho lúcido, sentia tudo, o ar, a floresta, e nada lhe tirava o pensamento de que aquele era o seu lugar, de que pertencia àquela paz, de que amava tudo aquilo com todo o seu ser e com tudo que era. Sua mãe sempre havia dito que não havia sentimento mais gratificante do que se conectar com a terra, e até experimentar tudo aquilo de verdade, o Kim havia duvidado daquela fala. Mas não mais.

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