As mesas estavam postas, a iluminação perfeito, nada muito claro, mas escuro também não, era um ambiente aconchegante, tínhamos ao canto esquerdo um pianista que fazia o som ambiente do local. A cozinha estava uma verdadeira zona de guerra, eu e os chefes corríamos de um lado para o outro, sempre com exatidão no preparo. Todos vestidos com seus uniformes. O dólmã dos meus chefes eram de todo branco, apenas com o nome do restaurante bordado em preto, acompanhado de uma calça do mesmo tom, os auxiliares vestiam roupas brancas e apenas o avental preto. Já o meu uniforme era num tom lápis, o bordado com o nome do restaurante era branco com o meu nome bordado em vermelho. Os garçons se vestiam de roupas sociais, exceto pelo blazer e o avental preto. O metre vestia um terninho básico, nós mesmos tons, igualmente a recepcionista que ficava ao longo do corredor que levava ao nosso salão.
O menu tinha apenas três pratos principais, três entradas, três sobremesas e variedades de vinhos, todos que tínhamos em estoque. O primeiro prato era uma versão francesa de uma torta que comia muito na infância, memórias boas de momentos ruins, aprendi com uma das cuidadoras. Torta capixaba era uma receita tradicional do Brasil, mais exatamente na região do Espírito Santo. Consiste em um cozimento em uma panela de barro. Leva bacalhau fresco, camarão, sururu e siri desfiado. Não foi difícil conseguir todos os ingredientes, apenas as especiarias que foi necessário trazer desidratadas. As panelas me foram enviadas como presente de boa sorte e eu agradeci muito, pois foi muito complicado tentar compra-las no tamanho que eu queria, porção única por cliente. O que mudei na receita foi o acréscimo do vinho seco no molho e o modo de preparo, levei ao forno por 19 minutos para uma tostada em cima junto com um pouco de alecrim e pimenta rosa. Eu me recusei a alterar tanto as receitas, deixando tradicional o quanto pudesse.
O segundo prato era um arroz carreteiro, originalmente nascido em rio grande do sul, Surgiu quando os carreteiros (transportadores de cargas) que atravessavam o sul do Brasil em carretas puxadas por bois, cozinhavam em panela de ferro uma mistura de guizado de carne de sol com arroz. Adicionei um pouco de cenouras em cubos minúsculos e um caldo da própria carne cozida, flambei a carne ao invés de fritar, juntamente com arroz virou um risoto, com uma salpicada de canela e noz moscada, azeite e cebola. 13 minutos no forno baixo e estava pronto.
O terceiro eu praticamente não mudei, era algo que eu comia muito quando criança. Vatapá é um prato típico da culinária afro-brasileira. O seu preparo pode incluir pão molhado ou farinha de rosca, fubá, gengibre, pimenta malagueta, amendoim, cravo, castanha de caju, leite desnatado, azeite de oliva, cebola, alho e tomate. A montagem do prato eu fiz em duas tigelas de louça, já que previamente é servido junto, adicionei camarão tostado por cima do creme espesso e estavam prontos.
O primeiro prato como Ragoût la mode capixaba, o segundo como Risotto de la viande de voyage e por último ehba-tápa, o nome de origem do prato.O cardápio de sobremesa era composto por uma torta simples com massa de biscoitos e recheio de limão, o segundo creme de brigadeiro com sorvetes variados. O terceiro era apenas doce de jaca que nomeei como doux fruité beau. Parecia decente e delicioso, sei que parecia muito simples, mas se fossem exageradas perderia o encanto, eu queria arriscar, poderia dar super errado eu estava ciente, no entanto me mantive forte. Os convidados começaram a chegar aos poucos, e as 20 mesas foram aos poucos preenchidas. Estava do outro lado do salão observando os rostos conhecidos chegando. Faltavam apenas dois minutos pra cozinha ser aberta. Me virei para meus companheiros de cozinha que esperavam minhas ordens.
- Hoje é a grande noite. - Comecei em bom tom para que todos pudessem escutar. - Eu não vou aceitar erros hoje, não vou aceitar atrasos, no entanto, eu quero que cozinhem com o coração, quero que deixem sua alma em cada preparo, em cada prato.
- Sim chef! - Disseram em resposta. Sorri com isso, então continuei.
- Estão comigo a uns quatro ou cinco anos e sabem como posso ser exigente, e sabem que os recompenso sempre que sou bem recompensado com o esforço de vocês. Hoje eu não vou poder estar na cozinha, tenho que recepcionar os clientes. O encarregado hoje será o chefe Gabriel.
- Garçons, eu quero exatidão, nada de errar os pedido, cada um de vocês tem 5 mesas pra atender. Os convidados não vão querer saber de atrasos e é bom que estejam em sintonia com a cozinha. Metre? - O chamei o procurando.
- Sim chef! - Respondeu dando um passo a frente para que fosse notado, já que toda a equipe estava presente.
- Cuide para que nenhum convidado saia insatisfeito. - Pedi.
- Entendido chef!
- Hoje é uma noite importante, se sair tudo certo, prometo que irei pagar o jantar de todos, junto com aquelas garrafas especiais do estoque. - Disse sério. - Então em suas posições, cozinhem!
- Sim chef! - Responderam como um coral.
Eu amava a minha equipe, eu era muito exigente, mas não esperava menos deles, sempre muito atentos e eficientes.
Segui para o salão e recepcionei alguns jornalistas, conhecidos políticos, haviam grandes estilistas, modelos e alguns poucos amigos, dei atenção a todos e um pouco mais. Ao chegar a mesa de uma das críticas mais monstruosas de Paris, eu esbanjava confiança, sorri em sua direção como se fosse um enorme prazer vê-la, sabia que ela tinha o poder de fazer um restaurante falido se tornar o melhor, assim como fazer o melhor falir. Ao seu lado havia mais três acompanhantes, sendo uma sua assistente, e duas amigas como ela mesmo disse, Julieta, Robin, Emily se não me engano, Robin e Emily estavam tão entretidas em sua conversa que mal me notaram. Não liguei muito e depois de explicar meus pratos e suas razões deixei a mesa da crítica e segui até o outro lado do salão, enquanto observava o movimento, percebi que Julieta, uma das mulheres a mesa me encarava e assim que nosso olhar cruzou eu sorri em sua direção, o que a fez desviar o olhar rapidamente, ela era uma mulher bonita, mas a noite de hoje não poderia haver distrações. Segui meu caminho para o hall de entrada dando de cara com ninguém menos que ela. Puta que pariu! O que essa filha da puta estava fazendo aqui?.
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SEDENTO
RomanceNunca tive tempo para me apaixonar, nunca busquei esse tipo de afeto na minha vida. Nunca achei que poderia conciliar amor e negócios, vivia sempre em prol da minha carreira. Era apaixonado apenas na minha cozinha e nada mais. Eu só tinha eu mesmo...