Dias antes

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Correndo o mais silenciosamente pela mata, pulando raízes e desviando de galhas, Agnes perseguia com afinco, a corsa que corria em direção a campina, com o arco em uma mão e uma flecha na outra, ela apenas esperava uma mínima oportunidade de poder usá-lo para abater o animal que corria por sua vida.

Assim, ao pular em um espaço mais aberto, acreditando estar livre de seu perseguidor, foi o momento perfeito para a caçadora erguer os braços com firmeza, mirar e soltar a flecha acertando em cheio o peito de seu pai.

Incrédula com a mudança repentina de cenário, largou as armas ao chão e pulou para alcançar o corpo estendido, apoiado num tronco de árvore, a carne acinzentada, fétida, o rosto desfigurado, um braço faltando, larvas por todo canto. Ela caiu de joelhos desesperada tentando acordá-lo mesmo sabendo que era algo impossível.

— Assassina!

Adris pula sobre suas costas tal qual uma fera sanguinária, sufocando-a com seus braços para matá-la. Ela rola no chão e se desvencilha, lhe dirige um soco no rosto, mas acerta o chão com tanta força que faz seus dedos sangrarem. Ele havia virado fumaça, assim como o corpo apodrecido de seu pai e a floresta em volta.

De repente ela está caindo, sentindo-se sufocada e abandonada, algo lhe acerta jogando-a para o lado, outra patada lhe joga para cima, era Emboscada quem agora iria lhe matar em pleno ar, descendo e a engolindo numa única bicada.

Ao fundo vazio, escuro e apertado, ela sente algemas lhe apertando os pulsos e a arrastando para cima, enquanto raízes agarram suas pernas a prendendo na terra. Um fogo verde queima sua pele e uma voz aguda repercute no lugar, vindo da mesma direção das correntes. O rosto de repente, se tornou evidente.

— Não se preocupe, eu vou lhe amar... — A bruxa lhe abraça com tanta força que suas costas estralam e as correntes lhe queimam a carne. — Como um bixinho de estimação!

— Não! — Agnes grita com toda a força que possuía se libertando numa explosão fantasmagórica. — Eu já venci todos vocês! Não podem mais me ferir!

— É isso o que você pensa? Tola.

Cigana lhe rodeava bicando sua cabeça com força. Raymond queimava gritando de dor em um fogo laranja cujas labaredas era tão altas que tocavam o céu.

— Não! Isso não é real!

— Como você saberia? Quem você é? Quem sou eu?

Agora, encarando a si mesma em um vazio absoluto, vendo sua alma nua e imunda com tanto sangue e terra, fuligem e pedaços de carne sobre si... sente as pernas tremerem, o coração palpitar, o medo lhe assombra, ela estava sozinha, como sempre esteve, como sempre estaria.

— Você deveria sorrir mais vezes.

Um abraço quente e invisível lhe acalenta a alma.

— Quem sou? — Ela volta a encarar a sua versão putrefata e se ergue segurando a cabeça dessa imagem com a mão direita. — Eu sou Rory Agnes, a rainha vermelha, rainha dos grifos e líder das bruxas verdes, a que desafia deuses e demônios e não teme a morte, porque a morte se tornou minha irmã. Você, medo que arde e queima minha alma, que me assombra e se fortalece na minha fraqueza, você, não existe mais!

Com força suficiente para fazer os ossos cranianos se espatifarem sobre seus dedos que comprimiam a cabeça da asquerosidade a sua frente, fez aquilo gritar como um porco que levou uma facada, enquanto se reduzia a uma poça de sangue e sujeira, queimando em uma chama branca e jamais vista.

Irradiando por todo o lugar, queimando a si mesma, mas de uma maneira gostosa e gentil, ela aceitou a chama tão ardente quanto gelada, e se deixou ser purificada. Todo o lugar se tornou branco, silencioso, e vazio.

 Ancestrais - Os devaneios de Rory Agnes - 3Onde histórias criam vida. Descubra agora