Em 31 de Dezembro o céu caiu sobre nossas cabeças e o Apocalipse se tornou real para todos.

— Eu preciso de suporte aqui! — gritou minha colega de trabalho. — Rápido!

Meu corpo congelado se recusava a fazer qualquer movimento. Em todos os anos em que trabalhei como enfermeira, era a primeira vez que vivenciava tal catástrofe. Corpos dilacerados chegando a todo instante, muito além da capacidade que poderíamos suportar.

— Jéssica! — Fui chacoalhada e meu estado de choque se quebrou. — Olha para mim... — Meu marido estava à minha frente. Seu rosto expressava tanta preocupação quanto o que eu sentia. Mesmo assim, foi em seus olhos que encontrei o acolhimento que precisava para voltar à realidade. — Eu te entendo, mas preciso que engula tudo isso e faça o que deve ser feito.

— São muitos, Lucas...

— Sim, são. E serão muitos mais. — Ele apontou para um garoto, que aparentava ter 10 anos, engasgando em seu próprio sangue. — Olhe para eles. Precisam da gente, então você tem que fazer o seu trabalho, entendeu?

Quando se está na área de saúde, é necessário aprender cedo que um estômago fraco não tem nenhum futuro. Eu pensei ter aprendido isso. Mas o fim do mundo havia chegado para testar minha sanidade. E ver o garotinho de 10 anos me trouxe pensamentos que me forçaram a suprimir meus instintos de proteção.

— Ok... Ok — falei enquanto caminhava em direção ao menino ensanguentado.

— Levem ela para a sala de cirurgia! — Meu caminho foi interrompido por um enfermeiro carregando uma mulher com um pedaço de madeira cravado em seu peito.

— Ok. — Continuei meu caminho até o garoto. — Você consegue me ouvir? — Sua boca tremeu, incapaz de responder minha pergunta.

Após colocar minhas luvas eu comecei a investigar seu corpo, procurando pela origem da hemorragia. Sua barriga e braço direito estavam repletos de estilhaços esverdeados de algo que eu não reconhecia. Todo o desespero presente no ar confundia minha sanidade. Por sorte, o modo automático dos anos de trabalho me permitiu arrancá-los do garoto e cuidar de suas feridas.

— Vai ficar tudo bem, certo... — Virei para o técnico de enfermagem que passava. — Preciso que chequem se esse garoto tem estilhaços mais profundos.

— Todas as salas de exames estão ocupadas.

— Ele precisa ser o próximo.

— Todos precisam... — Seus olhos estavam vazios, como de todos, que apenas existiam enquanto outros morriam ao nosso redor.

Eu havia verificado a respiração e os batimentos do garoto. Pelo que tudo indicava, os fragmentos não perfuraram muito além da superfície. Ele estava estável e orei para que se mantivesse dessa forma.

Corri para diversos pacientes, que não paravam de ser trazidos do ponto de impacto. Muitos estavam encharcados e com alto risco de infecção, outros já chegaram ao hospital mortos. Em situações como essas, somos obrigados a ser os mais desumanos possível. Descartar corpos vazios e ignorar casos perdidos. Eu não estava pronta...

— Afasta! — O corpo de uma senhora deu tranco quando o choque do desfibrilador a tocou..

— Sem respostas... — eu disse.

— Afasta! — O coração continuava parado. — Afasta! — Quando várias tentativas falharam, o enfermeiro desligou a máquina e se preparou para arrastá-la.

— O que está fazendo?

— Ela não está dando resposta.... Acabou.

— Ainda podemos tentar mais!

A Queda das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora