Foi um início de ano sem energia e alegria para qualquer tipo de comemoração. Com exceção, é claro, daqueles que não se importavam nem mesmo com a morte de um irmão. Cerca de 10% da população mundial ainda estava hospitalizada, lutando pela sobrevivência. Trabalhávamos arduamente para cuidar de todos os sintomas misteriosos que continuavam surgindo.
— Como você está se sentindo hoje? — Eu me aproximei da cama do garoto de 10 anos que havia salvado no dia D. Ele estava acordado, embora encharcado pelo suor nascido da febre alta que estava sentindo há vários dias.
— Bem — ele sussurrou. — Meu braço está doendo.
— Entendi. — Observei o local coberto por bandagens, cobrindo todas as feridas causadas pelos estilhaços do asteroide. — Irei fazer uns ajustes no seu remédio, o que vai fazer a dor passar. — É claro que aquilo não passava de uma mentira, ele estava no limite dos opioides para a sua idade. Mas torci para que a menção da melhora funcionasse como um efeito placebo, o ajudando a se curar pela simples crença de que aquilo iria acontecer.
— Obrigado. — Ele forçou um sorriso, mas logo desfez. — Eu posso ver meu pai hoje?
— Ainda não, desculpa. — Me doeu o coração, como uma profissional eu fui ensinada a nunca mentir, mas para uma criança a verdade não ajudaria. Seu pai havia morrido dois dias atrás, o tratamos com tudo o que podíamos, mas a infecção causada pela lâmina de metal que atingiu seu braço se espalhou rápido demais. Não tive coragem de dizer que ele nunca mais o veria — Logo, logo. Vocês vão melhorar e poderão ir para casa.
Acariciei sua cabeça, o que o fez olhar em minha direção e eu percebi a cor esverdeada que começava a cobrir seus olhos. Depois desse sintoma, não demorou para que os gritos de desespero começassem, com medo de algo que ele podia ver mesmo sem existir.
— Se afasta de mim. Sai! — Ele continuava se debatendo, sua força ultrapassava qualquer expectativa para um garoto daquela idade.
— Sedativos, agora! — gritei.
Assim que fizeram a aplicação, o pânico em seus olhos se transformou em um vazio solitário. Preso em sua própria mente, agora, psicótica.
E olhei, e ouvi um anjo voar pelo meio do céu, dizendo com grande voz: Ai! ai! ai! dos que habitam sobre a terra! por causa das outras vozes das trombetas dos três anjos que hão de ainda tocar.
Apocalipse 8:13
Eu não tive como evitar o desespero que escalava minhas entranhas, buscar a bíblia e orar todos os dias e noites foi a única coisa que pôde me trazer um pouco de sanidade. Embora, ler o apocalipse me trouxe pânico para o que ainda estava por vir. A terça parte das florestas já haviam sido queimadas na metade do ano anterior, onde diversos lugares no mundo, incluindo o pantanal, começaram a arder em chamas sem nenhuma explicação clara. Em uma pesquisa rápida, também pude constatar como diversas espécies de animais marinhos estavam aparecendo mortos, alguns pela própria degradação humana, outros, como se um grande ardente de fogo os tivesse carbonizado.
— Você está aqui. — Lucas apareceu e me resgatou de meus devaneios. — Trouxe café.
— Obrigada.
— O que está fazendo? Nunca foi de ler a bíblia. — Sua expressão, agora um pouco mais viva, aqueceu meu coração.
— Senti que meu tempo para aprender sobre ela está acabando.
— Não brinca com uma coisa dessas. — Apoiou seu café sobre a mesa. — Isso tudo é horrível, mas...
— Não é horrível, Lucas, é apocalíptico. O que mais você precisa para acreditar no que está acontecendo? — Eu me levantei. — Ou você acha que é só uma enorme coincidência os asteroides, que não existiam, caírem apenas nos rios e mares?

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A Queda das Estrelas
FantasiNa TV, no rádio e nos jornais só uma notícia: As estrelas rasgaram o céu, espalhando sangue nas águas e criando o caos em todo o planeta. Em um momento em que nossa maior fonte de vida foi amaldiçoada, como poderemos sobreviver? Jéssica, uma enferme...