Capítulo 3

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Yaman estacou ao ouvir o que Cenger havia dito. Por um momento permaneceu imóvel, a respiração em suspenso, tentando entender a que ele se referia com aquela fala. Sem que pudesse controlar, sua expressão suavizou um pouco diante da mais ínfima possibilidade de que houvesse algo naquelas palavras que mudasse a realidade dos fatos, mas logo franziu o cenho e voltou a endurecer o coração, os punhos fechados com firmeza ao lado do corpo. O mais provável é que Cenger também tivesse sido enganado por ela. Determinado, apertou o maxilar e decidiu se afastar, mas as pernas não obedeceram ao comando, todo ele prisioneiro do som da voz dela.

- Talvez não haja reparação para algo assim... - Seher murmurou, tirando-o daquele transe.

Se não soubesse quem era essa mulher, seria facilmente apanhado pela voz pela voz doce que, no momento, soava embargada. Podia inclusive imaginar a expressão dela enquanto dizia isso, aqueles olhos verdes provavelmente brilhando por lágrimas incontidas, carregados de tantas coisas que ele já não podia decifrar. Quis varrer o mundo com a própria fúria nesse momento, mas tudo o que podia fazer era permanecer ali, à espreita, ouvindo a conversa.

- Mesmo que ele jamais me perdoe, não me arrependo. Fiz o que precisava fazer para que ele sobrevivesse. Eu estava preparada para pagar o preço da ausência, mas encarar todos os dias o ódio no olhar dele... não sei se posso, não sei quanto tempo poderei resistir. E depois do que houve no jardim... Estou dilacerada, Cenger abi!

O coração de Yaman começou a bater forte, retumbando em seus ouvidos ao ouvir a declaração. Do que ela estava falando? Seria possível...

- Seher hanim, muito em breve Yaman bey saberá da verdade. Ele saberá que Canan é a responsável por tudo e entenderá seus motivos para ter partido. Não tardará o momento em que esse ódio será apagado dos olhos dele...

Aguardou mais algum tempo, mas eles não disseram mais nada, então enfim conseguiu se mover daquele lugar. A conversa entre Seher e Cenger tinha deixado muito mais lacunas que respostas, mas temia a busca por essas respostas. Um lado seu queria a verdade e a inocência da esposa, a recuperação do casamento e de tudo o que se perdera nesses dois meses. Mas outro lado seu temia essa mesma verdade, porque entendia que de uma forma ou de outra, tudo estava perdido agora. Se fosse verdade, se ela não o havia traído, estava arruinado. Como poderiam se reconstruir depois de tudo? Como ele poderia olhar para ela outra vez depois das palavras que dissera a ela no auge de seu furor?

Depois de sua saída apressada, Yaman havia atirado flechas por um longo período, sem se dar conta ao certo de quanto tempo havia passado, até que decidiu entrar em casa outra vez. Por mais que tentasse evitar, ainda ouvia as palavras trocadas entre Cenger e Seher e, honestamente, não sabia decifrar os sentimentos que o invadiam. De qualquer modo, era chegada a hora de enfrentar o que quer que o diálogo significasse, embora estivesse cada vez mais convicto do que se tratava. Colocaria aquela mulher no lugar que merecia, antes que outra vez fosse arrastado pela armadilha daquela aura de inocência que transparecia dela, apesar de tudo.

Completamente decidido, muniu-se de uma máscara de frieza estampada na face e caminhou pela casa procurando-a. Passava pela cozinha quando ouviu o som inconfundível da voz dela outra vez:

- ... já não conseguiu o que queria, Sra. Canan? Me afastei dele, como você exigiu, e agora estamos destruídos. O que mais quer de mim?

- Quero você fora desta casa! Esse foi o preço para a salvação de Yaman. 

Ouvir essas palavras foi como um soco em seu estômago, a confirmação de que haviam outra vez caído em uma armadilha. Quando trouxe Seher de volta para a mansão, sua intenção era fazê-la sofrer, rebaixando-a àquilo que julgava que ela era de fato. Queria que as pessoas ao redor soubessem quem era aquela mulher e que ela tivesse que encarar todos a quem enganara, sabendo que agora não poderia mais se dissimular em gentilezas e cuidados. Mas, ao contrário do que pensara antes, não estava preparado para a dor que isso causaria em si mesmo. E agora, diante da possibilidade de que ela houvesse feito tudo para que ele fosse salvo, se sentia aniquilado. 

Quis se aproximar de Seher e Canan, confrontá-las e obter a verdade, mas antes que pudesse fazer isso, notou a chegada de Yusuf.

- Teyze... eu sabia que você voltaria! - o pequeno atirou-se nos braços dela, que contraiu o rosto quando nesse ato o corpinho se chocou contra a mão machucada. Contendo um gemido, Seher abraçou o sobrinho, os olhos fechados enquanto distribuía beijos pela face do menino e, em seguida, pelos cabelos, inalando o cheiro dele.

- Bitanem... senti tanto a sua falta.

Acompanhou os braços finos dela envolvendo Yusuf num abraço saudoso e sentiu o chão sendo arrancado de seus pés ao reviver a cena da volta de Seher à mansão, as palavras ditas diante de Canan na sala, as chamas cobrindo a pilha de objetos que haviam sido arremessados no gramado do jardim. Sentiu a respiração falhar e o corpo, por um momento, se recusou a obedecer a qualquer comando. 

Desolado, olhou para as mãos pequenas da esposa, uma delas enfaixada, e lembrou-se da rigidez com que a segurara antes e soube que estava perdido. Ah, como desejava que em vez do toque brusco a tivesse segurado para distribuir beijos e carícias em sua pele! Pensou nas tantas vezes que a pressionou na parede desde que a conhecera e desejou que nessas ocasiões, em vez de discutir, tivessem se amado. Recordou das inúmeras ocasiões em que levantou a voz para ela, e como queria que em cada uma dessas vezes tivesse sido unicamente para bradar seu amor por ela! Desejou ter corrido os dedos sobre a pele dela, ensinando-a a confiar em seus toques, desejá-los e retribui-los.

Incapaz de dizer ou fazer qualquer coisa, escondeu-se quando percebeu que ela pegava Yusuf nos braços e caminhava para fora, provavelmente em direção ao quarto do sobrinho. Esperou que ela se distanciasse e, sufocando, correu até o local em que queimara as lembranças de ambos e vasculhou com os olhos as cinzas, tentando identificar se algum outro item havia sido preservado, mas tudo o que encontrou foi o que um dia havia sido a história deles, agora reduzida a pó. Caiu de joelhos encarando o local e com as mãos revolvendo a terra que agora guardava as marcas da ação das chamas, deixando uma mancha escura de destruição onde antes havia o verde. 

ReparaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora