A vida em nosso vilarejo era simples, mas suficiente. O que tínhamos, embora modesto, era fruto de trabalho árduo. Eu me acostumara com a rotina: os dias começavam com o som distante das galinhas e os sinos da igreja ao longe, seguidos por longas horas de trabalho no campo ou ajudando meu pai na forja. Ele, um homem de poucas palavras, demonstrava amor com pequenos gestos – uma faca afiada para cortar o pão, ou o conserto cuidadoso de uma ferramenta que eu quebrara na infância.
Mas tudo mudou com a chegada da praga.
O que antes era uma estação comum – o inverno austero que sempre nos desafiava – tornou-se um pesadelo. A praga começou em uma aldeia vizinha, dizimando famílias inteiras antes que qualquer um soubesse o que a causava. Na semana seguinte, ela já estava em nossas terras. Os velhos e fracos foram os primeiros a sucumbir. As pessoas sussurravam nos becos e mercados que a praga não era natural. Alguns diziam que era um castigo divino. Outros... que era obra das fadas.
Eu nunca acreditei nas histórias sobre o mundo feérico. Para mim, eram apenas contos para assustar as crianças. Mas, à medida que a doença se espalhava, os rumores se intensificavam. Diziam que os feéricos estavam furiosos, que algo havia sido tirado deles, e a praga era sua vingança contra nós, os humanos.
Foi em uma manhã gelada que percebi que meu pai estava doente. Ele havia se levantado para forjar algumas ferramentas para os aldeões, como fazia todos os dias, mas sua mão tremia ao pegar o martelo. Eu o observei, tentando ignorar o medo crescente em meu peito, até que ele tossiu – uma tosse seca e arrastada, daquelas que se ouvia nas casas dos que já haviam sido reclamados pela praga.
— Pai... – Minha voz saiu fraca, mas ele não olhou para mim.
A tosse voltou, mais forte. Ele cambaleou, derrubando o martelo. Quando se virou para mim, vi o suor escorrendo por sua testa, mesmo com o frio intenso do lado de fora. Seus olhos, que sempre foram cheios de vida, estavam agora opacos, como se a doença estivesse roubando sua alma, pedacinho por pedacinho.
— Estou bem, Sakura – ele disse, a voz baixa, como se fosse um esforço até mesmo falar.
Os dias seguintes foram os piores da minha vida. Vi meu pai definhar lentamente, o homem forte que sempre fora meu pilar se tornando uma sombra de si mesmo. A praga o consumia, e nenhum remédio ou cura parecia ter efeito. Os curandeiros do vilarejo vieram, mas seus olhares diziam o que suas bocas não ousavam: não havia esperança.
Foi então que, em meio ao desespero, comecei a ouvir os rumores sobre a única solução restante. As fadas.
Diziam que os feéricos, com toda sua magia, tinham a cura para a praga. Mas o preço para entrar em suas terras era alto, e ninguém que ousou buscar essa cura jamais voltou. As histórias eram claras: os feéricos não eram misericordiosos com os humanos. Mesmo assim, a cada dia que passava, eu sabia que essa era minha única chance. Se quisesse salvar meu pai, precisaria atravessar a muralha.
Passei muitas noites ao lado dele, sentada ao pé de sua cama enquanto sua respiração se tornava cada vez mais fraca. Sua pele, antes corada do calor da forja, agora estava pálida e manchada pelas marcas escuras da doença.
— Você não pode fazer isso, Sakura – Sua voz saiu rouca certa noite, depois que um aldeão sussurrou sobre minha intenção de cruzar a muralha.
— Eu tenho que fazer algo – Meus olhos estavam inchados de tanto chorar, mas ocultei as lágrimas. Não queria que ele me visse fraca.
Ele estendeu a mão, tremendo, mas ainda forte o suficiente para segurar a minha. — Não vale a pena. O mundo além das muralhas... Eles não são como nós. Os feéricos são perigosos. Não têm piedade.
Ele tinha razão. As lendas diziam que os feéricos viam os humanos como joguetes, nossa vida um piscar de olhos diante da eternidade deles. Mas eu não podia assistir meu pai morrer sem tentar.
— Papai, eu não posso te perder.
Minha voz falhou ao dizer essas palavras. Ele era tudo o que eu tinha. Minha mãe havia morrido quando eu era pequena, e ele me criou sozinho. Tudo o que eu sabia era por causa dele.
Naquela manhã, quando fui ao mercado, o peso dos olhares sobre mim era quase sufocante. O silêncio do vilarejo, que antes trazia paz, agora era um lembrete do quanto as coisas haviam mudado. As portas estavam trancadas, as janelas fechadas, e os poucos que ainda caminhavam pelas ruas mantinham a cabeça baixa. Senti os olhares furtivos, os sussurros que acompanhavam cada passo meu.
— Você ouviu sobre o ferreiro? – uma mulher sussurrou para sua amiga, suas vozes uma trilha amarga atrás de mim.
— Sim... o pai de Sakura. Dizem que está com a praga. Não vai durar muito.
— Que tragédia. Ela é tão jovem. O que será dela quando ele se for?.
Minhas mãos apertaram a cesta com força. Queria gritar, dizer que ele ainda estava vivo, que ele lutava. Mas, no fundo, eu sabia que a cada dia que passava, a esperança diminuía.
— Coitada da garota – outra voz disse adiante, com um suspiro pesado — Vai acabar sozinha.
As palavras doíam, mas eu as ignorava. Andei entre as barracas com o coração apertado, a cesta nas mãos e a cabeça erguida. Ninguém sabia o que eu estava prestes a fazer.
Ao voltar para casa, meu pai estava mais fraco do que nunca. Sentei-me ao lado dele, e ele virou a cabeça com dificuldade para me olhar. Havia um cansaço profundo em seus olhos, mas ele ainda tentou sorrir.
— Você foi ao mercado? – Sua voz estava rouca, quase um sussurro.
— Sim. Trouxe pão fresco e algumas ervas que a senhora Tsubaki disse que poderiam ajudar – Tentei soar otimista, mas ambos sabíamos que nada disso faria diferença.
Ele tossiu, seu corpo frágil tremendo, e me olhou com olhos pesados de dor. — Sakura... não faça nada imprudente. As fadas não têm piedade.
Minhas mãos se apertaram em torno das dele. — Eu não posso deixar você morrer, pai.
Naquela noite, enquanto ele dormia, tomei minha decisão. Sabia que ele jamais permitiria que eu arriscasse minha vida nas terras feéricas. Mas também sabia que, se ficasse, o perderia. Não havia escolha.
Arrumei minhas coisas em silêncio, com o peso do medo e da incerteza sobre mim. Peguei a adaga que ele me dera anos atrás e a prendi ao meu cinto. Não sabia o que encontraria além da muralha, mas não iria despreparada.
Ao amanhecer, enquanto ele ainda dormia, beijei sua testa e sussurrei: — Eu vou voltar, pai. E vou trazer a cura comigo.
Quando deixei nosso vilarejo naquela noite, sentia os olhares dos aldeões, alguns cheios de pena, outros de julgamento. Sabiam o que eu planejava. Ninguém disse nada, mas o silêncio gritava ao meu redor.
Com a escuridão pesada e sem estrelas, fiz minha última prece antes de partir. E, com a adaga presa ao cinto, deixei tudo para trás.
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Court Of Windgs and Whispers
FanficEm um mundo dividido entre Cortes Feéricas, onde a magia corre solta e os conflitos entre reinos são constantes, Sasuke Uchiha governa a Corte das Sombras, uma terra envolta em mistérios, perigos e segredos antigos. Amaldiçoado por uma antiga magia...