Ver as coisas passar
rapidamente, era o que eu via. Mas
tinha algo bom naquilo, eu usava uma
blusa branca, com a barra de renda.
Uma calça jeans azul clara colada ao
corpo definindo perfeitamente minhas
curvas. Usava um all star preto, o meu
preferido. Com o cabelo solto e todo
bagunçado dois palmos abaixo do
ombro, caídos em cascata sobre meu
ombro. Olhava para as árvores que
passavam rapidamente, assim como a
minha vida, assim como eu me sentia
naquele momento. Eu lia um livro,
“Fallen” para ser mais exata e achava
perfeito. Não acreditava em contos
como aquele, não mesmo. Mas achava
interessante ler e por um momento
fugir da minha realidade, que naquele
momento, não passava de uma troca
de vida rigorosa.
Estava sentada no banco de trás,
minha mãe na direção, e meu pai ao
seu lado. Minha irmã mais velha
sentada ao meu lado, com seu fone de
ouvido. Aquilo era à saída dela, mas a
minha não parecia ser aquela.
Seu nome era Alisson e tinha 18
anos. Eu sou Lise Avery, tenho 17 anos
e foi assim que vi o começo de uma
nova história. Eu e Alisson estávamos
indo morar com nosso tio na
Inglaterra. Dallas era uma cidade boa,
mas com a separação dos meus pais,
eles preferiram que fossem querer um
tempo, sozinhos. Ou seja, longe de
mim e Alisson.
Alisson era assim como eu,
preferia não se meter. Mesmo sabendo
que prejudicaria sua faculdade, mesmo
sabendo que prejudicaria seu futuro
promissor, ela decidiu que assim seria
melhor. Que se calar era a saída, se
guardar em suas músicas.
Eu preferia não interferir
também. Eu podia brigar, falar mal
com meus pais e discutir horas com
eles e negar que queria aquilo pra
mim. Mas preferia morar com um tio
que mal conheço, do que morar com
duas pessoas que se odeiam.
Eu estava cansada de chegar em
minha casa depois da escola e
encontrar as duas pessoas que mais
amo em uma guerra sem fim. Doía em
mim e em Alisson também.
Lembro-me bem, nos últimos
meses a situação em minha casa não
estava muito bem. Isso foi desde a
morte do meu irmão mais novo,
Charlie. Foi um acidente, mas meus
pais não conseguiram superar. E
Alisson fingiu ter superado e eu tentei
me manter forte. Fazia seis meses que
Charlie não estava mais ali entre nós.
Ele tinha apenas quatro anos e como a
vida havia sido injusta com ele. Estava
apenas começando, se tivesse ao
menos levado a mim, invés dele.
Minha relação com minha mãe
nunca foi uma das melhores. Ela
parecia me odiar. Tanto a mim,
quanto Alisson. Mas eu sabia que iria
superar.
Alisson era uma boa irmã e
amiga. Nós duas sempre fomos unidas,
mal brigávamos, pelo menos depois da
morte de Charlie, decidimos nos unir e
desde então descobri quão
maravilhosa é a irmã que eu tenho.
– Chegamos! – disse minha mãe,
Alice, estacionando o carro no suposto
quintal.
Suspirei buscando forças para
suprir aquela mudança repentina. Sai
do carro na companhia de Alisson que
segurou fortemente minha mão.
Encaramos nossa futura casa. Parecia
mais um castelo, algo bem antigo. A
mansão era contornada por uma
floresta completamente estranha, no
qual me chamou atenção, não havia
reparado, mas a rua em que passamos
era feito por um telhado de árvores
impedindo que o lindo sol passasse por
elas. A floresta em volta era em verde
bonito, mas escura, tão escura que
causava medo. Olhei por algum tempo
cautelosamente, antes de ser
interrompida por um homem de
cabelos e barba preta, parecia estar ali
há dias, tinha os olhos escuros. Estava
com uma veste preta e usava uns
óculos redondos, caídos sobre a ponte
do nariz. Era sério, aborrecido.
– Meninas, esse é seu tio, Albert!
– disse meu pai John, nos
apresentando. Provavelmente,
familiar de meu pai, já que nunca
conhecemos quase ninguém da família
de minha mãe.
– Nossa! – Alisson sussurrou
incrédula em meu ouvido.
Assim como eu ela deve ter
percebido que aquela mansão, apesar
de velha, era muito bonita, e não tinha
como negar.
– Alisson, Lise! – ouvi a voz de
nosso pai sussurrar nossos nomes,
rapidamente olhamos para frente.
Notamos que Albert ainda estava no
primeiro degrau da escada com os
braços cruzados na frente do peito. –
Olhei para trás e minha mãe, Alice
ainda estava no carro.
– É bom tê-las em minha casa! –
disse Albert sem ânimo, e isso me
deixou ainda mais desconfortável.
Afinal, estávamos em uma mudança
difícil e sermos tratadas como estorvo
não era algo muito bom.
– É... – gaguejei, Alisson me deu
um tapinha de leve na cabeça e
prossegui. – Também é bom estar aqui!
– respondi séria, Alisson libertou um
sorriso cínico. Ela odiava fingir estar
bem sendo que não estava. Odiava.
Aquilo não estava bom, para nenhuma
de nós duas.
– Vejo que gosta de ler! – Albert
disse olhando para minha mão que
agarrava com firmeza o livro, como se
fosse um tesouro. Apenas assenti e ele
prosseguiu – Vai adorar a biblioteca
daqui! – falou se virando para olhar a
mansão.
– Meninas, é aqui nós nos
separamos! – meu pai falou com certa
tristeza na voz, eu o amava tanto e
não tê-lo por perto era como não ser
protegida. Ele libertou um suspiro
pesado e nós três nos abraçamos.
Desviei o olhar para minha mãe e ela
apenas nos fitava com seus olhos
cabisbaixos, deixando a mostra suas
olheiras profundas. Eu não entendia
por que ela era tão distante. – Cuidem
uma da outra! Pode ser? – ele levantou
os lábios em um sorriso preguiçoso.
– Sim! – Alisson respondeu
escondendo o rosto no peito de John,
obviamente tentando esconder o
inevitável, as lágrimas.
– Eu amo vocês e, por favor,
tomem cuidado! – ele beijou
profundamente a testa de Alisson e em
seguida a minha. Como se fosse à
última vez que nos víssemos. Eu senti
uma grande vontade de segura-lo ali
comigo, eu não entendi por que ele
tinha que partir, por que ele tinha que
nos deixar. Não era preciso.
Devagar ele nos soltou e Alisson
laçou meus dedos em sua mão e eu a
segurei com firmeza. Dali em diante,
nós seriamos a base uma da outra,
disso, tínhamos certeza.
– Venham! Vou mostrar tudo
para vocês! – Albert disse assim que o
carro pegou estrada. Segurei a mão de
Alisson ainda com mais força.
Albert foi à frente e nós o
seguimos, eu estava agarrada ao braço
de Alisson como uma criança indefesa
e ela segurava a minha mão. Quando
passamos pela enorme porta da frente
nos deparamos com uma sala vazia e
escura, dava para enxergar, mas era
como se fosse uma sombra sobre o
lugar. Um lugar vazio, sem alegria.
– É um pouco escura! – eu falei
achando estranho. Eu odiava lugares
escuros, eu não gostava me sentia
sufocada.
– Minha ex esposa gostava assim,
então vocês estão proibidas de abrir as
cortinas! – olhou com autoridade –
vamos prosseguir! – nos entreolhamos
e continuamos seguindo Albert.
Naquela mesma sala havia uma
escada que mostrava subir para o
segundo andar, Albert não foi pela
escada, foi para a sala ao lado
esquerda. Era uma sala de visitas, com
dois sofás, uma mesa de centro e no
canto um pequeno bar lotado de
bebidas. O papel de parede florido já
estava em um amarelo desbotado. E
essa também era uma sala bem escura,
as cortinas vermelhas, todas fechadas.
Os móveis eram bem antigos e davam
ainda mais um ar de suspense para o
lugar. O chão de madeira rangia a
cada passo que dávamos.
Continuamos o percurso e
passamos para a outra sala, aquela
aparentava ser a sala de jantar, uma
mesa ao centro, era feita de uma
madeira cor mais antiga, com doze
lugares, o enorme lustre sobre as
nossas cabeças e ao lado esquerdo
havia uma pequena porta de madeira
e do lado direito uma porta grande de
vidro, a sala era bem arejada e
iluminada por este fato. Olhei
atentamente pra ela, e avistei um
jardim lindo e em seu centro uma
piscina, ao canto esquerdo dois
balanços, um parquinho pequeno de
criança.
– Você tem filhos? – perguntei.
Apesar de acreditar que ele não tinha
filhos pequenos.
– Eu tive! – respondeu
seriamente, como se me avisasse para
não retomar essa pergunta outra vez.
– Não tem mais? – mesmo
sabendo que não era para voltar a
perguntar, insisti. Um dos meus
defeitos, infelizmente.
– Não! Vamos continuar! – ele
outra vez quis cortar o assunto, então
ordenei a mim mesma mentalmente
que cessasse minha curiosidade sobre
seus filhos.
Dei uma última olhada para o
jardim ainda agarrada aos braços de
Alisson e arregalei os olhos e minha
respiração acelerou, o coração parecia
parar, senti uma vontade de chorar em
relação ao que vi.
– O que foi? – Alisson perguntou
segurando minha mão, ela disse em
um tom de preocupação. Pisquei os
olhos e voltei a olhar.
– Não foi nada, tá tudo bem! –
menti sorridente e controlando minha
respiração para não deixar vestígios
de que ainda me mantinha assustada.
Eu podia jurar a ela e a mim
mesma que teria visto um garoto com
asas douradas ao lado de um dos
balanços. Não reconheci seu rosto, não
prestei atenção na cor do seu cabelo,
mas minha atenção ficou voltada para
aquilo que ele escondia nas costas. As
asas douradas.
– Vocês não vêm? – Albert nos
chamou com impaciência.
[...]
Albert não nos mostrou nem
metade de sua mansão. Só o
necessário. Nós agora estávamos em
nosso quarto. Havia duas camas, entre
elas um criado mudo e sobre ele um
abajur. A cor do papel de parede era
lilás e rosa, eram as nossas cores
favoritas. Alisson adorava lilás e eu
adorava rosa. O quarto era bem
espaçoso, com armário embutido
grande, prateleiras com livros e CD’S.
Havia um pequeno banheiro pequeno
e uma janela que dava vista para o
jardim e para o parquinho. Dei uma
última espiada e tentei convencer a
mim mesma de que estava ficando
perturbada ou louca.
– Bem, comprei roupas e um
celular para cada uma! Mantenham-
nos sempre ligados. Agora vamos às
regras! - observei as regras com
cautela, escutando atenciosamente
cada palavra que ele dizia – Os lugares
que eu não mostrei, estão
definitivamente proibidas de ir, estão
proibidas de abrir as cortinas, não
podem entrar na cozinha e nem em
meu quarto, ou em meu escritório e
nos outros quartos.
– Quer dizer que estamos
proibidas de andar pela mansão? –
disse Alisson já sem paciência.
– Não. A biblioteca é no final
deste corredor, subindo a escada á
direita, é bem grande e poderão
passar bastante tempo lá. As aulas de
vocês começam amanhã. Vocês
deveram estar de pé às 07h00min e as
07h30min o motorista levará vocês
para a escola, no seu caso Alisson,
para a faculdade. O café sempre é
servido as 07h15min, almoço
12h30min, café da tarde 15h30min e o
jantar as 19h00min. Como são
proibidas de entrar na cozinha, esses
são os horários que vocês poderão
comer. Sem atrasos. Vocês têm... – ele
olhou em seu relógio de bolso –
exatamente, quarenta minutos para se
arrumarem e descerem para o jantar.
Até daqui a pouco. – Albert saiu do
quarto batendo com grande força a
porta e me joguei sobre a cama.
– Não acredito que eles nos
deixaram aqui! – disse Alisson
indignada com a atitude de nossos
pais.
– Nem eu! – respondi fechando
os olhos com força.
– Vamos nos arrumar, ou então
perderemos o jantar e eu estou morta
de fome! – Alisson bateu em minha
perna e eu levantei bufando.