PRÓLOGO: SHOW DE FANTOCHES

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Ele pensou consigo mesmo: seria essa a primeira vez que esteve ali? Ou se, em algum outro momento, já visitou aquele lugar... A sensação era muito familiar para ser a primeira vez. Aquele local mal iluminado por uma única lâmpada velha sobre sua cabeça; em meio a penumbra. Era possível enxergar apenas o seu entorno – o chamativo chão xadrez. O resto era escuro, como se nada existisse ali; apenas preto.. Era frio e o silêncio, intimidador.

Se seu coração tivesse vida própria, com certeza, saltaria para fora do corpo. Todo seu ser foi tomado pelo desconforto e medo – o medo do desconhecido. Adrenalina corria por suas veias e suor trilhava por sua pele... A sensação era a mesma daquela vez.

Assustou-se com uma luz acendendo de repente atrás de si. Rapidamente se virou e avistou, não muito longe dali, uma imensa caixa retangular em meio a escuridão. Era vermelha escura com alguns detalhes em dourado desenhados pelas bordas, cortininhas e na chamativa placa acima com a palavra: "O Show" ... Pensou que talvez fosse uma caixa de fantoches. Aquilo o intrigou, já que não era algo que havia visto antes naquele lugar.

O som de sinos saíam de dentro da caixa, seguidos de fervorosos aplausos. O barulho era tanto que chegava a ser sufocante; seus ouvidos doíam. Quando o tumulto finalmente cedeu, observou a caixa e percebeu as cortinas abrindo, revelando três fantoches. Eram feitos de madeira, pendurados por fios quase invisíveis conectados em suas articulações. Eram muito diferentes entre si: o primeiro, à esquerda, se assemelhava a uma mulher, o segundo, ao centro, uma criança e o terceiro, à direita, um homem.

Todos possuíam cabelos e olhos de mesma cor, com algumas características faciais diferentes e únicas, como a presença de maquiagem e cílios pintados na mulher e pelos no homem. A criança, com certeza, era a figura mais enigmática, já que tinha ambas feições femininas e masculinas.

Sentiu um frio em sua barriga ao ouvir a plateia a sua volta dizer em uníssono:

– Pobre criança, pobre alma, pobre criatura! Eles não poderiam te amar! Consumida pelo vazio e abandonada! Pobre criança, pobre alma, pobre criatura!

O fantoche à esquerda, a mulher, começou a se mover; era possível ver suas cordas se mexendo. Sua voz era delicada, mas parecia duplicada com uma voz vezes mais grossa que a dela.

– Pobre criança... pobre alma... pobre criatura... - ela dizia – Como eu poderia te amar? Eu não poderia...já que você não é o que eu queria... já que você nunca foi o que eu queria.

A criança olhava para a mulher com uma expressão triste e ela, aparentemente, não apresentava emoções. Nenhuma.

– Você não aceitou meu Pai... – continuou – Então como eu poderia te amar? Eu não poderia... Fico entristecida, mas não há nada que eu possa fazer! Ele te levará para onde você merece, criança. Eu tentei te ajudar, mas você não me escutou.

Assim, ela parou de se mover. Agora, o homem tomava vida e rapidamente se virou para a criança. Da mesma forma que o fantoche anterior, sua voz também estava duplicada, mas parecia ser mais agressiva.

– Pobre criança... pobre alma... pobre criatura... – ele dizia – Eu nunca poderia te amar! Eu nunca poderia... já que você é a fonte da minha infelicidade.

O homem parecia gritar na cara da criança. Era evidente sua expressão de raiva e descontentamento, até em seus movimentos.

– COMO VOCÊ ACHA QUE EU TE AMARIA?! EU NÃO FARIA ISSO! A CULPA É SUA! A CULPA É TODA SUA! SUA! TODA SUA!

Lágrimas pretas começaram a descer dos olhos da criança, fazendo o homem voltar a seu estado inanimado. A plateia riu e pronunciou:

"E a criança mal amada foi consumida pelo vazio e sumiu."

Assim, as cordas da criança foram cortadas e o fantoche caiu, sem vida.

Tudo ficou escuro.


– Quem é você? – ele perguntou.


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