capítulo três: "A nova governanta"

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A Condessa de Barral esperava ansiosamente pela Imperatriz para finalmente começarem a avaliação das três senhoras escolhidas pela própria monarca para o cargo de governanta. Enquanto a Imperatriz do Brasil não chegava, Luisa pegou seu caderno de desenhos e giz para desenhar. Já fazia tempo que a Condessa não dedicava uma parte de seu tempo para desenhar como era de costume. Sentada em seu sofá a mulher começou a rabiscar as formas de uma pessoa que até então eram desconhecidas, até que os traços tomaram as formas delicadas de uma mulher que Luisa já conhecia mas ansiava desvendar de maneira mais profunda e íntima.

— Mesmo sem saber, a Senhora já me dominou por completo! - sorriu ao perceber que havia feito um retrato de Teresa. A Condessa de Barral passou os dedos pelo desenho como se estivesse fazendo um carinho na própria Teresa. 

As batidas na porta interromperam o ambiente onírico que Luisa criou com seus desenhos da Imperatriz. A Condessa de Barral sabendo de quem se tratava do outro lado da porta, os guardou e levantou-se da sofá indo abrir a porta. 

Assim que a abriu, contatou que em sua frente se encontrava a mais bela das mulheres. Vestida com seu típico vestido azul escuro que possuía renda no colarinho e punhos, um chapéu de lado nos cabelos negros que combinava com o vestido e todo o conjunto de doçura e modéstia que ela representava. 

— Bom dia, Vossa Majestade! - Luisa fez uma longa reverência. 

— Buongiorno Contessa. - disse a Imperatriz com um belo sorriso passando pela Condessa, que logo correspondeu com um sorriso tão largo quanto. 

Em silêncio as senhoras caminharam lado a lado até chegarem a sala. Foi incontrolável Teresa pensar que Luisa passava muito tempo ali, o cômodo tinha o cheiro dela. 

— Aceita um chá, Majestade? - Luisa perguntou. 

— Non, obrigada. - respondeu a monarca com um sorriso. Teresa tentava retirar o chapéu a cabeça, mas Celestina parecia ter exagerado nos grampos. 

— Me permita ajudá-la, senhora. - disse Luisa ao perceber a dificuldade da soberana. Teresa concordou com um sorriso divertido. 

Luisa então se aproximou de sua Imperatriz e levou as mãos aos grampos cruzados em seu cabelo que prendiam firmemente o chapéu. Teresa sentiu a respiração de Luisa em sua bochecha, corou quase que imediatamente. 

— Pronto, Majestade. - Luisa entregou o chapéu em suas mãos. 

— Gracie. - agradeceu em um sussurro e sentou-se no sofá. — As senhoras para o futuro cargo de governanta chegarão em pouco tempo, são ótimas pessoas. 

— Se diz, então confio plenamente. - disse Luisa sentando-se ao lado de Teresa no sofá. 

As três senhoras chegaram pontualmente, logo que o relógio bateu as três da tarde. A primeira tinha quarenta anos, trabalhou na casa de José de Alencar entendia bem política e era casada; a segunda tinha sessenta anos e vinha do sul, descendentes de italiano e cuidava de uma casa de engenho; a terceira e última era da Bahia, acabara de completar cinquenta anos, falava francês fluentemente e era declaradamente abolicionista. 

A escolha foi mais fácil do que Luisa imaginava, dispensou as duas primeiras senhoras e ficou com Maria Piedade, a terceira candidata e sua conterrânea. Deu algumas instruções para a mulher e um período de tempo para que ela se organizasse, dentro de uma semana ela poderia começar a trabalhar. 

— A Condessa já leu os poemas de Emily Dickinson? - perguntou Teresa quebrando o silêncio da biblioteca que agora dispunha de mais livros nas prateleira que no chão. 

— Sim, Majestade! - Luisa respondeu com empolgação. — É uma escritora fabulosa e tão frente ao seu tempo. Eu apreciei profundamente cada verso de seus poemas que já tive a aportunidade de ler. 

— Quando li pela primeira vez, senti em cada vírgula toda emoção que ela sentia e ansiava causar em suas linhas. Uma pena não ser tão reconhecida como merece. - disse Teresa folheando um livro antigo de poemas. 

— Sim, minha amiga é mesmo uma mulher talentosa e inspiradora. - Luisa disse com orgulho. Teresa voltou a atenção para Condessa como uma criança que recebe doces. 

— A Condessa conhece Emily Dickinson? - perguntou incrédula. 

— Sim, a conheci em uma de minhas idas aos Estados Unidos. - respondeu. — Em Amherst, Massachusetts. 

Dali em diante, sentadas na soleira da janela da biblioteca, Luisa passou o restante da tarde contando para Teresa sobre suas aventuras mundo a fora desde a infância ate a vida adulta. Teresa ouvia maravilhada e as vezes Luisa se perdia na narrativa quando percebia os olhos devotos de Teresa. 

— Que inveja sinto da senhora! - Teresa disse sorrindo, mas Luisa percebeu o desconforto por trás daquilo. 

— Por que, Vossa Majestade? - a Condessa segurou a mão de Teresa de maneira intuitiva. 

— É preço que se paga por nascer com uma coroa. - respondeu Teresa. — São os sacrifícios que fazemos. Pedro e eu tínhamos tantos planos, tantos sonhos para serem realizados. Eu mesma tenho meus próprios. Mas temos um país para construir, ela precisa de nós aqui. E temos nossas filhas que agora estão encaminhadas, então quem sabe o dia de realizar esses sonhos estejam próximos. Mas não gosto de me iludir, ilusão é para os jovens e inexperientes. 

Luisa sentiu como um peso, um tapa em si própria. Desejou poder realizar os desejos dela, eram coisas tão simples para alguém abastada como ela, mas que eram quase impossíveis justamente por ela ser quem é. A Condessa sabia o que significava ser parte da alta nobreza, ser uma rainha, Imperatriz mas nunca iria conseguir sentir o que Teresa ou Chicá sentiam. Mas talvez existisse algo que ela pudesse fazer. 

— Me diga, existe algum desejo seu que eu posso lhe ajudar a desejar? Nada me faria mais feliz. - Luisa segurou firme as mãos da Imperatriz. 

A pergunta pegou a monarca de surpresa, sentiu o coração disparar e sabia que suas pupilas estavam dilatadas. Tinha sim algo que ela desejava e que apenas Luisa seria capaz de a fazer alcançar. Teresa não conseguia juntar palavras para formar uma frase que fizesse sentido, felizmente Luisa segurava suas mãos de maneira firme e assim ela não perceberia que ela estava tremendo. 

Tinha, tinha um desejo que poderia ser realizado agora, imediatamente. Teresa só precisava de coragem, muita coragem. Um desejo, Luisa queria a ajudar a realizar. Só alguns segundos de coragem. Ela o fez, pela primeira vez na vida vez algo que ela queria muito e só pensaria depois nas consequências. 

Teresa beijou Luisa, segurou sua nuca e a beijou e foi correspondida quase imediatamente. Era melhor do que Vitória havia lhe relatado, era doce e suave, sem pressa e faminto. Ela sentiu falta de ar, Luisa lhe deu dois beijinhos e sorriu contra seu queixo. Toc, toc é a realidade batendo em sua porta. Teresa não deu chances para Luisa, deixou a casa da Condessa o mais rápido possível.

A Volta Da Condessa..Onde histórias criam vida. Descubra agora