Cap XXII - O Cowboy Amaldiçoado

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Oliver Cooper
Bockhampton, Reino Unido
Outono de 1839

Oliver olhava para a casa que comprou em Bockhampton, com o olhar esperançoso. Ainda faltava mobiliar e, segundo o vendedor, os móveis chegariam na próxima semana, caso a produção não atrasasse. Era uma casa grande, com um terreno generoso que ele tinha negociado com um homem que estava de mudança para a Cantuária, e tinha partido levando os móveis em algumas carroças, alguns dias atrás.

Ali ele enfim poderia ter paz, ou pelo menos era o que esperava, já que mesmo após ter conseguido a sua vingança, as imagens de seus pais e de sua irmã sendo brutalmente assassinados por aquela criatura não saiam de sua cabeça. Entrando na casa vazia, os flashes da noite fatídica o golpearam com força, e ele viu tudo outra vez — o jovem Oliver, dez anos mais novo que era agora, sentado e escorado em um canto da sala, enquanto sangrava por uma ferida no ombro e observava o monstro matar a sua família.

Sua mãe e seu pai lutaram bravamente para defendê-los, e talvez por isso, foram abençoados com o fato de morrerem antes de verem sua filha caçula ser estraçalhada pelo inimigo. Ele não entendeu de imediato porque o maldito não o matou alí mesmo, mas na primeira lua cheia ele soube, assim que se transformou pela primeira vez, que através daquela mordida em seu ombro, o monstro o havia escolhido para dar um fim no próprio sofrimento. O filho da puta egoísta queria morrer, precisava de um monstro como ele para fazê-lo, e para isso criou um.

O que o livrou de ser um monstro também, foi a interferência de um velho nômade Cheyenne, que perseguia a criatura, rastreando os corpos que ele deixava pelo caminho. O desgraçado sempre deixava uma das vítimas viver, para se transformar, e na tribo do chefe Lakota Tala, não tinha sido diferente, sendo o filho dele o escolhido, mas o velho índio, que estava voltando de peregrinação, acompanhou o processo de transformação do jovem, e não pensou duas vezes antes de cortar-lhe a cabeça com sua machadinha afiada, salvando-o da maldição, prometendo que caçaria o monstro e o faria pagar.

Lakota seguiu, matando todos os escolhidos do monstro, que chamou de Hó'nehe Tane'axe, ou Besta Homen-lobo, mas ao ver o jovem Oliver, sabia que não deveria matá-lo e, ao invés disso, o treinou, ajudando-o a não matar ninguém que não "merecesse" morrer, e, por dez anos, eles o caçaram pelo velho oeste americano, até o encontrar no novo México. Era difícil combatê-lo, já que o desgraçado se transformava sempre que quisesse, enquanto Oliver, assim como os outros transformados, só se transformava nas noites de lua cheia, mas Lakota tinha um trunfo que guardou até o último momento.

O índio havia observado que Oliver tinha reflexos e força apurados em dias que antecediam noites de lua cheia e eles exploraram isso. Usando os mesmos conhecimentos e técnicas ancestrais, que usavam para antecipar noites de lua cheia durante os treinamentos, eles cercaram o inimigo em um dia desses e, usando a machadinha de Lakota, Oliver arrancou a cabeça do monstro, após uma intensa luta.

Já tendo a sua vingança, Oliver implorou que o velho índio o matasse também, mas ele não o fez. Lakota contou para ele sobre um lugar onde as nuvens estavam tão presentes, que a lua cheia quase não aparecia e que, talvez, nessa terra, ele poderia ter paz e viver, sem precisar se transformar novamente, e esse lugar era a Inglaterra. Ainda assim, estando no velho continente e com escassez de luas cheias, ele analisava os sinais e, assim como o seu velho amigo Cheyenne fazia,  antecipava as noites que poderiam ocorrer a transformação, e se acorrentava em algum lugar isolado, para não correr o risco de ferir ninguém caso ela ocorresse.

Era uma vida solitária de fato. Ser amaldiçoado era o mesmo que nunca poder se casar, ou ter filhos. Por ser jovem, bonito e forte, era normal que despertasse o interesse de jovens e belas damas, mas tinha que declinar. Ele era um risco para qualquer pessoa que se apegasse a ele, afinal como poderia dizer que era um lobisomem e que, uma vez transformado, perdia a noção de quem era amigo e quem era inimigo.

Após se recompor, se lembrou de Elizabeth, e olhando em seu relógio de bolso, viu que já era tarde e em breve iria começar a escurecer. Ele tinha combinado com ela que voltariam juntos para Burton, então se apressou para voltar até a casa de Lady Eleanor. De longe ele viu uma jovem saindo da casa às pressas, com o semblante preocupado, então se apressando também, viu que a ruiva cuidava da anfitriã, que parecia estar com dificuldades de respirar.

— Ela não deve ter tomado os comprimidos que o Doutor Townsend receitou — uma voz feminina, que devia ser enfermeira, disse entrando às pressas e tomando o lugar de Elizabeth nos cuidados —, ela sempre tem essas crises quando deixa de fazer o tratamento.

Alguns tempo depois, Eleanor já dormia tranquilamente, e Lady Madeline, como se chamava a enfermeira, pôde se apresentar com calma. A menina que ele tinha visto sair às pressas, não quis entrar na casa em momento algum. Devia ser Helena, a filha de Lady Eleanor, e ele imaginava como estava sendo duro para ela toda a situação, por isso, era melhor dar-lhe espaço para assimilar tudo.

— Lady Madeline, você é casada? — Elizabeth perguntou, enquanto tomavam um chá.

— Sou viúva — a mulher, que parecia ter pouco mais de quarenta anos, respondeu —, meu marido faleceu no surto de 1826. Foi quando eu virei enfermeira também, aliás, foi a sua mãe quem me ensinou tudo sobre cuidar dos enfermos.

— Eu me lembro pouco da minha mãe como enfermeira — a jovem falou, com um semblante entristecido —, sei que ela cuidou de mim e do meu pai nessa época, mas eu era muito nova.

— Ela era incrível, Elizabeth — a enfermeira disse, colocando uma das mãos no ombro dela —, você pode se orgulhar. Foi por conta dos esforços dela que conseguimos o direito de trabalharmos como enfermeiras. Em nenhum outro lugar permitem tal coisa.

— Eu me orgulho sim — Elizabeth respondeu, dando um gole no chá —, mas, mudando de assunto, o que acha de ser a cuidadora particular da Lady Eleanor?

— Eu preciso do salário que recebo no centro médico — Madeline respondeu —, é a minha única fonte de renda.

— Pois eu pagarei a você o valor que recebe lá, além de garantir que terá tudo o que precisa para cuidar dela — Elizabeth insistiu —, Helena virá morar comigo em Burton assim que se sentir pronta, e preciso que alguém cuide da mãe dela.

— Ora, Lady Elizabeth, nesses termos, eu não posso recusar — a enfermeira sorriu e apertou a mão de Elizabeth.

Para Oliver, era legal ver aquelas mulheres negociando. Por todos os lugares onde ele passou, o machismo predominava. Os homens não faziam ideia da força que as mulheres tinham, ou talvez faziam, mas tinham medo de perder espaço, por isso as oprimiram e rebaixavam. As mulheres que conheceu ali eram únicas — Elizabeth, Sophie, Madeline — todas independentes e de personalidade forte. Essas, jamais poderiam ser domadas e oprimidas.

O grito de Helena, vindo de fora, o tirou dos pensamentos e os fez irem até a porta para verem um homem de preto levar a garota pela mata. O oficial ameaçou ir atrás deles imediatamente, mas pela visão periférica, viu que Elizabeth, que vinha no topo da pequena escada, logo atrás de si, pisou em uma tábua fraca, que se partiu sob os seus pés, fazendo-a se desequilibrar e cair, então com reflexo e instinto de proteção, ele a amparou antes que pudesse chegar ao chão, e por um breve instante a segurou em seus braços, e ela se apoiou com os braços em torno do pescoço dele, até se recompor do susto.

— Fique aqui, Lady Elizabeth — ele disse, ainda com os corpos colados —, eu vou trazê-la com segurança, e a levarei para casa.

— Eu posso ajudar — ela insistiu, ainda ofegante pelo susto da queda.

— Me perdoe, mas se eu ficar preocupado com você, não terei o mesmo desempenho — ele recusou, ajudando ela a ficar de pé —, então, por favor, me deixe fazer isso, tudo bem?

Ela apenas assentiu, e ele saiu correndo na direção em que viu o sequestrador ir.  Já era noite, e seu treinamento de caça e combate seriam úteis agora. Ele só queria fazer o bem, para mostrar a si mesmo que não era um monstro.

A Donzela e o Vampiro Volume 1Onde histórias criam vida. Descubra agora