Meu último presente para você

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Branco.

Era tudo o que meus olhos podiam ver. Minha respiração era fraca. Não porque eu não pudesse respirar. Eu não queria respirar.

Porque respirar? Porque viver aquele dia? Novamente, a dor me inundava, como se eu estivesse prestes a reviver tudo. Como se meu pesadelo, sempre o mesmo, fosse se tornar real a qualquer momento.

Não pela primeira vez. E muito menos pela última.

Uma batida na porta arrancou meus olhos da grossa camada de neve que cobria toda a paisagem do lado de fora de casa. Levei alguns segundos para me desligar de meus pensamentos e saí de perto da janela, caminhando em passos curtos e lentos até a entrada de minha residência.

Fechei os olhos brevemente, já sabendo quem encontraria do outro lado da madeira escura, e girei a maçaneta fria. Todos os anos eram sempre iguais.

- Oi, Lis – Jennie, minha irmã mais nova, me cumprimentou com sua voz aconchegante.

Por mais que seus lábios sorrissem para mim, seus olhos não faziam o mesmo. Porque ela sabia, assim como eu.

Todos os anos eram sempre iguais.

- Oi, Jen – murmurei de volta, e vendo que ela estendera os braços em minha direção, retribuí seu abraço carinhoso.

- Como você está? – ela perguntou em meio aos meus cabelos, e eu me afastei, dando passagem para que ela entrasse.

- Como sempre – sorri fraco, ajudando-a a pendurar seu casaco no mancebo próximo porta –Sobrevivendo.

Jennie soltou um suspiro baixo, olhando-me com desolação, e eu me detive a observar seu belo vestido vermelho. Um corpete muito bonito moldava sua cintura e realçava seu busto, enquanto a saia, que se estendia até a metade de suas coxas, era levemente rodada, dando a ela um ar muito gracioso e sedutor ao mesmo tempo.

Os belos sapatos pretos, bastante altos, combinavam muito bem com a fina fita preta que envolvia seu quadril, finalizada num laço discreto do lado esquerdo de seu corpo.

Ela estava linda. Como sempre.

- Você sabe o que eu vim fazer aqui – ela disse, com a voz alta o suficiente para que eu a ouvisse, porém, alguém um pouco mais distante não o conseguiria – Eu não vou desistir dessa vez.

Assim como ela, baixei meu olhar até o chão, sem saber o que dizer. Eu sabia o que ela queria, mas ela parecia não entender o quanto estava pedindo.

Eu queria muito poder atender à sua vontade, como sempre me dediquei a fazer, afinal, ela era minha única irmã. Mas ela precisava entender que eu estava passando por uma fase muito difícil de minha vida, e que eu precisava de um tempo para me reconstruir.

Quanto? Talvez todo o que me restasse.

- Jennie... – murmurei, sem forças para ser mais enérgica e impor meu comportamento fechado – Por favor. Não me force a te dizer não outra vez.

Ficamos alguns segundos em silêncio, sem coragem de dizer mais nada, e eu ergui meus olhos até encontrar os dela. Suas íris me encaravam com intensidade de sentimentos, todos muito conflituosos.

Parecia que, finalmente, ela sabia o quanto estava pedindo.

- Lis... – ela chamou, com a voz triste, aproximando-se de mim e segurando minhas mãos com delicadeza – Já faz tanto tempo...

- Você sabe que não – fechei os olhos, sentindo-os encherem-se de água subitamente ao verem os dela cheios de pena – Você sabe que o tempo não passou para mim.

Um Último Presente - LiskookOnde histórias criam vida. Descubra agora