Por que ele me odeia tanto?

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Eu estava mostrando alguns brinquedos para os adultos que cuidavam das crianças, eu falava animadamente sobre o que estava segurando e ouvia todos os comentários dos adultos concentradamente, talvez eu gostasse um pouco de receber atenção - talvez muito - mas naquela época eu nunca admitiria isso em voz alta.

Quando as babás cansaram-se de mim, me virei para observar a sala em que estava e percebi dois garotos conversando em um canto, os dois cochichavam e me olhavam, eu conhecia os dois mas só um deles era quem me deixava fervendo de raiva a cada oportunidade.

Caleb

Eu só tinha 6 anos e não entendia direito como funcionava o conceito de amor ou ódio, eu não achava que odiava Caleb mas o que eu sentia por ele pelo menos chegava bem próximo disso. E eu não precisava pensar duas vezes pra saber que o sentimento era recíproco. Desde que eu me entendia por gente, Caleb e eu estávamos sempre brigando e contando aos nossos pais quando o outro fazia algo errado, nós simplesmente não nos suportávamos.

Ver Caleb cochichando com um amigo enquanto me olhava e ria de mim fez com que tivesse um mal pressentimento "mas e daí? se ele fizer alguma coisa é só contar 'pros' adultos, né?" Pensei dando de ombros e voltando a brincar. Perto do final do evento, as babás começaram a levar as crianças até seus pais para fechar a salinha. Eu, querendo ser prestativa, tentei ajudar o máximo que pude.

- Hell, você pode apagar a luz e fechar a porta da sala quando sair por favor? - pediu uma das babás já se virando e caminhando pra longe.

Eu estava tão feliz que poderia ajudar, coloquei um de meus brinquedos em cima de uma bancada e me estiquei na ponta dos dedos para apagar a luz. No momento em que tudo ficou escuro, eu escutei um barulho e pulei de susto, virando na direção do som eu vi a porta - a única saída daquela sala - fechada. "Tá tudo bem, foi só o vento" pensei enquanto caminhava lentamente até a porta e tentava girar a maçaneta... sem resultado. Já sentindo os primeiros sinais de medo tentei chamar alguém do lado de fora pra ajudar.

- Ei! Alguém abre essa porta! - gritei, mas silêncio foi toda resposta que obtive. Minha respiração começou a acelerar, o quarto parecia ficar ainda mais escuro - ALGUÉM, SOCORRO! - tentei de novo, gritando mais alto e batendo na porta com toda a força de uma criança de 6 anos.

Dessa vez pelo menos eu não recebi apenas silêncio como resposta, mas o que obtive não foi muito mais tranquilizador - O que foi Hell? A bebezinha tem medo do escuro? - Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar, Caleb.

- CALEB, ABRE ESSA PORTA POR FAVOR! - gritei desesperada, eu sentia como se a sala ao meu redor estivesse se fechando, tudo parecia ficar ainda mais escuro. Na época eu não sabia o que era um ataque de pânico, hoje eu sei que era isso que eu estava sentindo.

Do outro lado da porta eu podia ouvir Caleb rindo de mim, o desgraçado ria do meu desespero - Aproveita seu tempo aí dentro pra pensar na vida Hell - Caleb disse antes de ficar tudo em silêncio.

- Caleb? CALEB! POR FAVOR, NÃO ME DEIXA AQUI! - gritei novamente, eu já deveria saber a esse ponto que não havia esperanças dele me deixar sair. Olhei para os lados procurando uma saída, nunca fui de ter medo do escuro mas nesse momento parecia que um monstro poderia sair de qualquer uma dessas sombras, olhando para a porta do banheiro "Essa porta não tava fechada antes?..." - CALEB POR FAVOR! - tentei mais uma vez... nada.

Ele provavelmente já deveria ter ido embora, então parei de bater na porta e gritar, simplesmente olhei ao redor, não conseguia respirar... muito escuro... não consigo... respirar... muito próximo... ar... é o fim... não consigo...

Click

Olhei na direção do som uma última vez, luz... será que eu?

- Você é mesmo muito chorona - será que eu morri e fui parar no inferno? Mas espera, o Caleb ainda está vivo.

Trouxe minha atenção de volta ao presente, consegui respirar de novo, o que o Caleb disse mesmo? Ah sim, passei minhas pequenas mãos pelo meu rosto e senti as trilhas de lágrimas, quando eu comecei a chorar? Olhei para o Caleb de novo, ele parece irritado, provavelmente sabe que eu vou contar sobre o que aconteceu. Mas dessa vez ele foi longe demais, ele me odeia tanto ao ponto de quase me fazer desmaiar em pânico?

Eu olhei para o chão, não conseguia mais encarar Caleb, tinha mais dois garotos com ele, quem eram? Eu não lembro, não importa, só queria sair de lá. Eu passei por eles ainda de cabeça baixa, conseguia ouvir suas risadas ao fundo. Saí do corredor com as salas infantis, precisava achar minha mãe. Eu ainda chorava, precisava do meu brinquedo para me acalmar... meu brinquedo... em cima da bancada...

Com um gemido baixinho e um choramingado olhei para trás, Caleb e seus comparsas saiam do corredor rindo "por favor não vem por aqui" eu recitava repetidamente na minha cabeça, por sorte alguém lá em cima sentiu pena de mim e fez com que os garotos virassem em outro corredor. De cabeça baixa e andando devagar eu voltei até a sala de meus pesadelos.

Cheguei na frente da sala e vi que os garotos haviam deixado a porta aberta, olhei para dentro do cômodo, coloquei um pé para dentro e me apoiei contra a parede para ligar as luzes e procurar meu brinquedo "Que burra, por que eu não pensei em ligar a luz antes?" pensei irritada com a minha própria burrice. Achei meu brinquedo, peguei-o, apaguei as luzes, saí e fechei a porta.

Missão cumprida, agora eu precisava achar minha mãe, não foi algo muito difícil, ela estava conversando com... a mãe do Caleb. Parecia a oportunidade perfeita de contar o que aconteceu, andei até elas com a cabeça um pouco mais levantada, me sentia mais confiante, eu teria justiça... se o Caleb não estivesse vindo do outro lado e andando na direção da mãe dele também.

Ele me viu, olhou nos meus olhos, eu não conseguia respirar de novo, mantivemos contato visual enquanto caminhávamos até nossas mães.

- Hell! O que aconteceu querida? - minha mãe perguntou quando me viu - Você estava chorando?

- Eu... - olhei para Caleb ao lado da mãe dele, as duas mulheres estavam olhando pra mim, por isso só eu percebi quando o aprendiz de demônio colocou um dos dedos nos lábios e fez sinal de silêncio. Não é como se eu fosse me deixar intimidar por um gesto desses - eu caí - ... Não hoje em dia, mas naquele tempo eu achei que iria morrer se não obedecesse.

- Você devia prestar mais atenção Hell, não seja tão desastrada - minha mãe me repreendeu já voltando para sua conversa.

Caleb riu baixinho, eu olhei pra ele, sentia vontade de chorar de novo enquanto olhava para aquele sorriso sínico. A única coisa que passava na minha mente, repetidas vezes, naquele momento era: "por que ele me odeia tanto?".

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