Não me conhece?

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Quando eu tinha 12 anos, minhas amigas e eu fomos para um passeio. Era durante o carnaval, nós passaríamos dois dias em uma casa de praia com outros adolescentes e jovens, três casais de adultos seriam responsáveis por nos manter com juízo e preparar nossa alimentação. Parecia divertido, a viagem de ônibus eu passei brincando com minhas amigas, nós cantamos desafinadamente, falamos sobre nossas expectativas de como seria a casa de praia, cantamos mais um pouco, irritamos os outros passageiros. Eu não sei como não fomos expulsas do ônibus.

Quando chegamos ao nosso destino, descemos do ônibus e fomos em direção a casa. O lugar era enorme, era um terreno gigante com duas casas, em uma ficariam as meninas e na outra os meninos, tinha uma piscina, um refeitório - mesmo que cada casa já tivesse cozinha - e cada casa era dividida em 4 quartos com beliches, e dois banheiros.

Eu e minhas amigas ficamos com um quarto só para nós, em um quarto cabiam 8 meninas. Nós escolhemos nossas camas, guardamos nossas coisas, e em seguida saímos para explorar o lugar. A piscina chamou a atenção das minhas amigas, elas já queriam entrar, mas decidiram fazer isso mais tarde. Já eu não era fã de piscinas, preferia sentar embaixo da sombra de uma árvore e ler um bom livro - e ainda prefiro.

Nós continuamos andando pelo lugar até chegar o horário do almoço, quando chegamos ao refeitório o lugar estava cheio. Minhas amigas e eu sentamos em uma mesa no canto com algumas outras pessoas, eu estava concentrada na minha comida, fazia horas que não comia nada e quase não havia merendado já que estava muito nervosa para comer.

Acabei não dando atenção as pessoas ao meu redor, só tirei os olhos do meu delicioso prato de feijoada quando uma das minhas amigas me cutucou e disse para eu me apresentar aos outros. Nessa hora eu olhei ao redor da mesa e meus olhos acabaram se prendendo em um certo par de olhos marrons claros que eu conhecia bem.

Caleb

Ele parecia diferente, faia tempo que não nos víamos, nossos pais haviam perdido contato quando os pais de Caleb se mudaram 3 anos antes. O cabelo dele antes tinham cachos negros que iam até suas orelhas, mas agora estava raspado nas laterais e curto o bastante para que seus cachos sumissem quase por completo. Ele havia crescido bastante nesse tempo também, na última vez que nos vimos ele tinha 10 anos e éramos da mesmas altura, agora com 13 anos ele me passava por uns 5 centímetros, e era óbvio que ele ainda cresceria mais. Garotos e seu surto de crescimento.

Eu olhei para ele, ele me olhou, ele abaixou a cabeça e voltou a comer. Minha amiga me cutucou novamente e perguntou se eu não iria me apresentar.

- Meu nome é Helena Demetriou, ou só Hell para os meus amigos. Eu sei que hell é inferno em inglês, mas meio que alguém falou uma vez e o apelido pegou. - a última parte eu falei olhando para Caleb, ele que começou a me chamar de Hell quando éramos crianças, nossos pais começaram a me chamar assim depois de um tempo, e no final todos já me chamavam assim.

Eu esperava alguma reação dele por ter citado o apelido, mas o desgraçado nem parou de comer, eu sei que a feijoada estava boa, mas ele ao menos podia ter dito "ei, eu conheço essa garota" mas não. Ele não queria ter nenhum tipo de contato comigo, nunca quis, então eu não corri atrás. Quando eu terminei de falar, as conversas ao meu redor voltaram, mas novamente eu não prestei atenção, não só estava com fome mas também estava começando a me irritar com Caleb, e ele ainda nem tinha falado nada.

Quando terminamos de almoçar, minhas amigas e eu voltamos para nosso quarto, lá elas me avisaram que jogaríamos verdade ou desafio aquela noite, e me repreenderam por estar mais interessada em um prato de comida do que nas interações sociais, eu mandei elas pra merda. Quando elas pararam de falar, uma das minhas amigas mais próximas me puxou para um canto e perguntou

- Então, você tá interessada no Caleb? - eu juro que naquele momento engasguei com minha própria saliva e quase morri, enquanto isso minha querida amiga ficou sem ar de tanto rir. Quando eu me acalmei, olhei para ela como se fosse louca.

- Como assim? Eu? A fim daquele cara? Até parece!

- Parece mesmo.

- Eu vou te dar um chute - ameacei, o que não serviu de nada já que minha amiga era maior que eu e seria como um pinscher tentar morder um labrador.

- Hahaha... - ela riu, de novo - Não, mas sério. Ele é tão bonitinho e eu tava pensando que se você não tivesse a fim dele eu poderia, sei lá, chamar ele pra tomar um açaí...

Tipo, eu tinha 12 anos, minha amiga e Caleb tinham 13, por que esse povo já queria saber de namorar eu nunca entendi. Eu não queria namorar tão cedo então não tinha problemas se minha amiga tivesse algo com Caleb, era o que eu falava pra mim mesma, mesmo que no fundo eu quisesse fazer minha ameaça do chute virar realidade.

- Vai fundo, não tô a fim de ninguém - falei com um sorriso meio forçado.

- Tem certeza?

- Absoluta, agora vai se arrumar. Ele provavelmente vai tá naquele jogo essa noite, você não vai querer chamar ele pra sair parecendo uma maluca né? - falei enquanto empurrava ela pra dentro de um dos banheiros, antes que ela pudesse responder, joguei sua toalha, xampu, condicionador e sabonete dentro do banheiro e fechei a porta na cara dela. Não que eu estivesse com raiva da minha melhor amiga, mas fazer isso foi melhor do que eu esperava.

De noite, meu grupo de amigas e o outro grupo em que Caleb estava, nos encontramos no refeitório. Demos início ao jogo e a cada minuto mais e mais coisas estranhas eram usadas como desafios, chegou a um ponto em que eu só pedia verdade nas minhas vezes, as outras pessoas me chamavam de covarde, mas eu preferia isso do que passar uma vergonha abismal.

Em algum momento chegou a vez de Caleb girar a garrafa e como a sorte era muito minha fã, a garrafa caiu em mim. Caleb me olhou e bufou, eu queria perguntar se ele era cavalo pra ficar bufando, mas fiquei quieta.

- Verdade ou desafio? - Caleb perguntou sem expressão. Eu me dei tempo para pensar, já sabia que iria escolher verdade de qualquer forma, eu não confiava em Caleb para me desafiar, mas queria deixar ele irritado então demorei um pouco para responder.

- Hm... Verdade. - falei por fim. Caleb fez uma carranca, virou para um de seus amigos sentado ao seu lado e disse

- Aff, como eu posso perguntar uma verdade pra alguém que eu nem conheço. - Quando Caleb terminou de falar, minhas barreiras me impedindo de criar confusão caíram e gritei

- VOCÊ NÃO ME CONHECE CALEB?! - na hora ele olhou pra mim com olhos arregalados, e todas as outras pessoas também - Nós praticamente crescemos juntos, nossos pais eram amigos próximos e nós quase sempre estávamos na casa um do outro. E você OUSA de dizer que não me conhece Caleb Silva?! - Caleb ficou, visivelmente, envergonhado. Ele ao menos teve a decência de se envergonhar depois de dizer aquilo, o garoto foi meu pesadelo, minha raiva e minha dor de cabeça de cada dia, e depois ele apaga tudo isso e finge não me conhecer? Eu deveria ter feito mais do que apenas gritar com ele.

- E-eu quis dizer tipo, a gente se conhece mas a gente não conversa sabe... - ele falou e logo depois olhou para seu amigo em busca de ajuda, esse que parecia tão, se não mais, perdido que Caleb.

Seu amigo apenas me olhou de olhos arregalados, depois olhou para Caleb e apenas acenou com a cabeça em negação como se admitisse não saber o que fazer. As outras pessoas presentes no momento pareciam sentir a tensão no ar e alguém sugeriu que estava tarde e que deveríamos ir dormir. Todos começaram a levantar e ir em direção a seus quartos.

Em nenhum momento eu tirei meus olhos de Caleb, ele foi um dos primeiros a levantar e sair. Voltei para o meu quarto com minhas amigas, eu podia ouvir seus sussurros mas nenhuma teve a coragem de falar comigo, minha melhor amiga não falaria comigo por dias depois do que aconteceu. Me arrumei e me deitei, e o tempo inteiro eu só conseguia pensar "O filho da mãe teve a audácia de dizer que não me conhece".

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