Sentimento sem Sentido

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Certo dia, quando eu tinha 7 anos, meus pais decidiram visitar alguns amigos. Amigos esses que eram pais da minha dose de raiva diária chamada Caleb. Eles me disseram a hora que iríamos sair, e eu nunca quis tanto que o tempo parasse até aquele momento, quando se aproximou da hora minha mãe me mandou ir tomar banho; depois de banhada ela me ajudou a achar uma roupa, depois penteou meus cabelos, e quando eu fiquei pronta nós saímos de casa.

O caminho foi divertido, acho que é sempre divertido para crianças dessa idade, andar no meio fio como se fosse uma passarela, pular por cima das linhas no chão, chegar até certa calçada antes do carro que vai passando, entre outras coisas. Quando meus pais pararam de andar e disseram que havíamos chegado eu lembrei o motivo de ter saído, nesse momento me fugiu toda a diversão de momentos atrás.

Eu estava de cabeça baixa - acho que eu precisava aprender a levantar mais a cabeça naquela época, que bom que eu ganhei alguma autoestima hoje em dia - brincando de chutar uma parede ao meu lado, quando de repente o portão se abriu e revelou uma mulher sorridente, Nicolle, quem diria que uma mulher tão gentil é a mãe do próprio Lúcifer?

- Oi! - Nicolle cumprimentou meus pais e nos conduziu para dentro onde estava seu marido, Cesar.

- Hell, aqui só tem adultos, por que você não vai brincar com o Caleb no quarto dele? - minha mãe falou, na hora eu rezei para todos os santos que a senhora Nicolle não tivesse ouvido, mas a sorte tinha me dado o dedo do meio.

- Ah, verdade! CALEB, VEM CUMPRIMENTAR AS VISITAS.


Nicole era uma mulher baixinha, mas tinha pulmões de ferro na hora de gritar. Não passou nem dois minutos e Caleb veio até a sala sorridente, seu sorriso vacilou quando ele me viu.

- Oi - Caleb cumprimentou.

- Caleb, leva a Hell pra brincar no seu quarto por favor - Nicolle pediu por favor, mas era possível perceber que era uma ordem.

Caleb olhou pra mim e parou de sorrir, ele obviamente queria protestar mas simplesmente acenou com a cabeça e começou a andar em direção a seu quarto. Olhei para meus pais que apenas sorriram e me apressaram para andar. Eu segui Caleb até seu quarto, entrei, olhei ao redor, era um quarto bonito e bem organizado para uma criança de 8 anos.

- Você quer jogar videogame?

- Quê? - eu estava surpresa, em primeiro lugar eu não achava que ele falaria comigo, em segundo lugar eu nunca, em um milhão de anos, acharia que ele me convidaria pra jogar. Então imagina meu choque quando ele me fez essa pergunta.

- Você é surda? Perguntei se queria jogar.

Caleb estava estendendo um controle de Nintendo pra mim, eu peguei cuidadosamente sem saber o que fazer. Geralmente eu só assistia meus primos jogarem mas eles nunca me deixavam participar, então mesmo que estivesse super animada pra jogar com Caleb, eu realmente não tinha ideia de como fazer isso.

- Você já jogou esse jogo? - Caleb perguntou enquanto apontava para a tela da pequena televisão.

- E-eu nunca joguei nada - falei gaguejando, era a primeira vez que eu tinha a oportunidade de jogar e também, a primeira vez que Caleb era legal comigo, por isso eu não queria estragar o momento de forma alguma.

Caleb simplesmente revirou os olhos e apertou para iniciar, passado alguns minutos chegara minha vez, eu olhei para o controle em minhas mãos, para a tela da televisão, de novo para o controle, olhei para Caleb, de novo para o controle...

- Olha, só faz o que eu te digo e vai dar certo, ok? - Caleb falou calmamente.

Eu acenei com a cabeça e segui sua liderança, quando Caleb dizia pra apertar certo botão para fazer o personagem pular, eu fazia; quando Caleb falava para fazer o personagem correr, eu fazia. Nós continuamos nessa dinâmica até minha vez acabar, quando terminamos Caleb sorriu pra mim e disse que eu havia jogado bem. Eu não tinha feito muito na verdade, mas foi a minha primeira vez, e ter a pessoa que, aparentemente, me odiava, me elogiando fez com que eu me sentisse especial.

Eu olhei para Caleb e sorri, nós ficamos olhando um para o outro pelo que pareceu uma eternidade, provavelmente não foi mais que 1 minuto, nossos sorrisos diminuíram mas não paramos de nos olhar. Passar tempo com Caleb não parecia tão ruim quando não estávamos brigando, ele podia ser bastante divertido, e foi mais paciente comigo do que eu mesma seria.

Caleb e eu ainda estávamos nos olhando quando sua mãe bateu na porta e disse que o lanche estava pronto. Foi como se tivéssemos saído de um transe, em um segundo estávamos tendo um bom tempo juntos, e no segundo seguinte ele estava ignorando minha existência totalmente. Naquele tempo eu achava que era minha culpa, não era possível que Caleb mudasse de personalidade tão rápido se não fosse por minha causa.

Nós fomos lanchar e Caleb não olhou na minha direção em nenhum momento; nós comemos, os adultos conversaram, terminamos de comer, nos despedimos e fomos para casa. E Caleb não me olhou ou falou comigo, nem mesmo para me xingar ou fazer alguma de suas brincadeiras sem graça, ele simplesmente me ignorou como se não fosse nada. E de alguma forma isso realmente me incomodou, mas eu deixei passar como um sentimento sem sentido, eu deveria ter pensado mais sobre.


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