WILLAND - Parte 1

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WILLAND

Parte I

Poderosas nuvens tétricas se adensavam sobre os coruchéus pontiagudos das torres da poderosa fortaleza erguida na insidiosa Dark-Island, pequena ilha constantemente assolada por fortes ventos de Nordeste, onde ondas gigantescas em constante movimento desestimulavam as embarcações a tentarem qualquer tipo de aproximação as suas costas.

Estrondosos raios na tenebrosa noite sem lua chicoteavam as torres da fortaleza, mas a forte luminescência não conseguia superar as frestas da torrencial chuva que copiosa a contrastava.

Sede de uma princesa sem terras, belíssima mulher de longos cabelos pretos, de grandes olhos hipnóticos, negros como a noite mais escura e de pele clara como a luz da lua, Heike estava ali confinada por desobediência constante ao deus Apsu e sob a guarda severa de Amaymon, ao qual solicitava conselhos e poderes.

Emoldurada em uma vistosa estrutura de prata ricamente desenhada com elementos góticos terrificantes, uma grande lâmina de vidro plúmbeo oferecia uma visão constantemente desfocada, turva, de um possível mundo subterrâneo, onde almas amaldiçoadas queimavam às chamas do inferno. Era nele que a figura sombria da princesa Heike se espelhava toda vez que precisasse de um conselho e era somente na sua presença que aquele vidro deixava de refletir como espelho. A responder aos seus anseios era a torpe figura de Amaymon, um horrendo demônio dos abismos ao qual Heike declarava ser obediente seguidora em troca de força, poder, astúcia e deslumbrante beleza.

Com ele o poder de Heike era quase ilimitado e através dele governava as terras circunstantes com arrogância e terror mantendo-as subjugadas sob o seu nefasto poder.

A sua soberba atentava agora ao território Willand, uma gigantesca e flórida ilha pouco distante da sua, onde a prosperidade, serenidade e felicidade de seu povo era em constante ascensão. Governada pelo ancião rei Wilfred, com sabedoria e perspicácia, era agora a espinha no flanco de Heike que percebia ser constantemente isolada e completamente desconsiderada, minimizada, expulsa do conselho dos dez que a cada ano se reunia para atestar o progresso da região.

Heike já subjugava boa parte dos governantes que ocupavam o conselho e com eles tentava desestabilizar o velho Wilfred, afim de substitui-lo na governança com a sua candidatura, mas a forte oposição de Wilfred e o silêncio dos demais destruíram as ambições de Heike.

Na oportunidade, decepcionada pelo comportamento de quem fidelidade lhe garantiu, levantou da mesa furiosa brandindo a sua espada e com violência golpeou o plano daquela távola encabeçada por Wilfred. A espada estilhaçou-se em mil pedaços amedrontando todos e jurando vingança abandonou altiva o local.

Naquela turbulenta noite de tempestade, apoiando-se com as duas mãos à moldura do espelho mandingueiro, irada pelos acontecimentos, exigiu de Amaymon o poder superior para destruir definitivamente Wilfred e as suas forças bélicas para substituí-lo.

− Amaldiçoado seja você AMAYMON! O seu poder vale menos de uma estúpida sentença daquele velho canalha de Wilfred.

− Cuidado Heike, modere as suas palavras! Se tem algo que você quer, peça e lhe será concedido!

− Você já sabe, idiota! O que espera a fazer de mim a soberana destas amaldiçoadas terras?

− É isso mesmo que você quer? ... Então peça!

− Estou pedindo, idiota! Estou pedindo – finalizou Heike socando o espelho.

O espelho emudeceu e Heike preparou-se a receber novos poderes. Mas nada do que Amaymon concedia era de graça, nem tão pouco ilimitado. A cada pedido chamado a realizar subtraía um pouco do que a pedinte tinha mais apreço. No caso, a sua deslumbrante beleza. Isso Heike não o percebia, para ela a sua beleza era intocável e assim acreditava permanecer em eterno.

Os tempos estavam mudando, os corpos de alguns governantes traidores das aspirações de Heike foram encontrados mortos, pretos, esqueléticos, praticamente dessecados. Wilfred, no entanto, começou a sofrer de agudas pontadas no corpo, tão fortes que os joelhos trepidavam, as pernas dobravam e no chão rolava, principalmente quando a dor era mais intensa.

Solicitada pela jovem princesa Ully, desesperada em ver o seu pai virar trapo de chão, a feiticeira Wiki foi levada, praticamente à força, à real presença de Wilfred.

Wiki examinou o corpo nu do soberano, pedaço por pedaço, cutucando músculos, nervos e ossos, beliscando as carnes e alfinetando as partes mais delicadas.

− Pare com isso, danada bruxa! Está querendo me matar antes do tempo?

− Não seja idiota Wilfred! O mal que te aflige não está no seu corpo.

− O que está querendo dizer? Desembuche logo.

− Alguém com fortes poderes comanda a sua mente, pode destruir o seu corpo e roubar-lhe a alma. Pode ter certeza disso!

− Tem algo que pode fazer Wiki? – implorou Ully.

− Preciso consultar os meus oráculos. Terei uma resposta amanhã!

− Amanhã estarei morto, danada feiticeira!

− Então pague já o que deve pelo meu atendimento! Para viver preciso comer, sabia?

Ully quebrou logo o ríspido diálogo e levou Wiki em um aposento isolado, onde na tranquilidade de quatro paredes pudesse achar a intimidade necessária para consultar os oráculos.

Desconfiando das artimanhas de Heike, Wilfred mandou chamar o capitão Ralphy, ao qual deu uma missão bem precisa.

− Capitão, o que estou lhe ordenando é uma missão perigosa. Eu mesmo a encabeçaria se esta amaldiçoada doença não me obrigasse a ficar deitado na cama.

− Comande, majestade, e a ordem será executada!

− Pegue quantos navios e homens achar necessário, quero Heike viva ou morta ..., morta de preferência.

− Mas majestade ... é suicídio!

− É uma ordem capitão!

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