Um lugar entre as dimensões

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     Era uma bela manhã de domingo. Um domingo ensolarado de outono. Dona Carmela estranhou que as belas cortinas brancas da sala não balançavam com a brisa. Tudo ainda estava escuro. Nem a vidraça, e nenhuma das partes da janela de madeira haviam sido abertas. A mesa da outra sala não estava posta. Nem havia cheiro de café, e nem de leite fervido.
     – Já são quase sete horas. Onde estará Margarida? Aquela garota está ficando muito preguiçosa, vou lhe passar um corretivo – Saiu resmungando enquanto batia a bengala pelo corredor. Empurrou a porta do quartinho e ao final do ranger da dobradiça ressecada Dona Carmela ficou quieta. Por pouco tempo, já que não era do seu feitio ficar calada.  
    Tentou imaginar todas as formas de castigar aquela ingrata que provavelmente havia conhecido um homem e dormido fora de casa como uma qualquer. “Que vergonha!” – Falou enquanto caminhava decidida a encontrar provas da safadeza de Margarida.
   O toc toc tac sincronizado provocado pelo saltinho e bengala batendo no velho assoalho ficava cada vez mais rápido, até que ao chegar no quintal deu um grito agudo antes de cair no chão coberto de flores roxas. O grito atraiu a curiosidade da vizinhança que quase nunca tinha um evento ou acontecimento para comentar. Agora haveria um para os próximos dias, o grito de dona Carmela.
      O  esposo, seu Astolfo foi o último a chegar. Não chegou a ver a cena que provocara o desmaio da mulher, e ninguém lembraria do desmaio, pois se tornou um acontecimento ínfimo perto da outra cena.
    O belo quintal de gramado estava todo coberto de acácias-amarelas e naquele momento Margarida estava ali deitada como uma flor murcha que sumiria ao final do outono. A árvore não era muito grande. O banquinho de madeira pintado de branco tal qual uma pracinha romântica permitiu que Margarida subisse, amarrasse uma corda e pulasse. O salto fez com que perdesse a consciência rapidamente. Não pela falta de oxigenação no cérebro. Não havia ainda dado tempo de acabar, mas um ligamento se rompeu com impacto e a morte poderia até demorar uns minutos para acontecer, que a doce Margarida já não sentia nada. Seria rápido, apenas um suspiro.
    Bem, os senhores que ali estavam retiraram a Margarida da árvore. Colocaram no chão e discutiam entre si. O gordo de camiseta regata branca e um shorts que por Deus, mostrava toda sua retaguarda quando se abaixava tentando fazer a massagem cardíaca afirmando que estava viva e assim salvaria sua vida. Enquanto isso o garoto nerd pervertido que todos juravam que era virgem esfregava as mãos suadas e cobertas pelo moletom que era feito para alguém duas vezes o seu tamanho dizia para não fazer aquilo pois ela poderia ter machucado algum nervo ou osso com o impacto e a massagem poderia prejudicá-la.
     Gostaria de ressaltar que, em casos de emergência é sempre bom ouvir o nerd. Virgens ou pervertidos, eles já leram sobre todos assuntos existentes e naquela ocasião, o nerd também estava correto. Algumas pessoas filmavam, outros evitavam olhar. As irmãs Alvarez fizeram o sinal da cruz mas diziam que não rezariam pois esta alma sequer passaria no purgatório. Estavam fadadas ao inferno.
  Enquanto o bafafá acontecia no quintal e todas aquelas pessoas na rua olhando, o blogueiro, pseudo jornalista da cidadezinha chegou antes da ambulância e prontamente noticiou a morte por suicídio da garota que era criada na casa do bondoso casal Astolfo e Carmela Boaventura.
   Eu não sabia o que fazer. Olhava seu corpinho da Margarida no chão e não a via. Nem Margarida e o Azrael. Onde estaria ele. Sua presença até que era percebida, mas bem de longe. Me senti frágil. Me mantive sentado no galho da acácia.

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⏰ Última atualização: Mar 01, 2022 ⏰

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