Capítulo 47

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SÃO MATEUS, IV, 1-10

Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da situação, como no Gênesis.

Venhamos ao evangelista que serve de título ao capítulo. Os liberais foram chamados ao poder, que os conservadores tiveram de deixar. Não é mister dizer que o abatimento de Batista foi enorme.

— Justamente agora que eu tinha esperanças, disse ele à mulher.

— De quê?

— Ora de quê! de uma presidência. Não disse nada, porque podiam falhar, mas é quase certo que não. Tive duas conferências, não com ministros, mas com pessoa influente que sabia, e era negócio de esperar um mês ou dois...

— Presidência boa?

— Boa.

— Se você tinha trabalhado bem...

— Se tivesse trabalhado bem, podia estar já de posse, mas vínhamos agora a toque de caixa.

— Isso é verdade, concordou D. Cláudia olhando para o futuro.

Batista passeava, as mãos nas costas, os olhos no chão, suspirando, sem prever o tempo em que os conservadores tornariam ao poder. Os liberais estavam fortes e resolutos. As mesmas idéias pairavam na cabeça de D. Cláudia. Este casal só não era igual na vontade; as idéias eram muitas vezes tais que, se aparecessem cá fora, ninguém diria quais eram as dele, nem quais as dela, pareciam vir de um cérebro único. Naquele momento nenhum achava esperança imediata ou remota.

Uma só idéia vaga... E foi aqui que a vontade de D. Cláudia fincou os pés no chão e cresceu. Não falo só por imagem; D. Cláudia levantou-se da cadeira, rápida, e disparou esta pergunta ao marido:

— Mas, Batista, você o que é que espera mais dos conservadores?

Batista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade:

— Espero que subam.

— Que subam? Espera oito ou dez anos, o fim do século, não é? E nessa ocasião

você sabe se será aproveitado? Quem se lembrará de você?

— Posso fundar um jornal.

— Deixe-se de jornais. E se morrer?

— Morro no meu posto de honra.

D. Cláudia olhou fixa para ele. Os seus olhos miúdos enterravam-se pelos dele abaixo, como duas verrumas pacientes. Súbito, levantando as mãos abertas:

— Batista, você nunca foi conservador!

O marido empalideceu e recuou, como se ouvira a própria ingratidão de um partido. Nunca fora conservador? Mas que era ele então, que podia ser neste mundo? Que é que lhe dava a estima dos seus chefes? Não lhe faltava mais nada... D. Cláudia não atendeu a explicações, repetiu-lhe as palavras, e acrescentou:

— Você estava com eles, como a gente está num baile, onde não é preciso ter as mesmas idéias para dançar a mesma quadrilha.

Batista sorriu leve e rápido; amava as imagens graciosas e aquela pareceu-lhe graciosíssima, tanto que concordou logo; mas a sua estrela inspirou-lhe uma refutação pronta.

— Sim, mas a gente não dança com idéias, dança com pernas.

— Dance com que for, a verdade é que todas as suas idéias iam para os liberais; lembre-se que os dissidentes na província acusavam a você de apoiar os liberais...

Esaú e Jacó (1904)Onde histórias criam vida. Descubra agora