Eu ainda sorria ao acordar na manhã seguinte. Dan estava aconchegado ao meu lado, o edredom macio sobre minha pele. Ela ainda dormia,os cílios longos e escuros tremelicando no sono. Corri o dedo em torno do rosto dele, em seguida beijei-lhe os lábios com ternura.
-Dan -falei baixinho-, vamos nos casar amanhã.
Ele mudou de posição, passou o braço pesado por cima do meu peito e me puxou para mais perto.
-Eu te amo - murmurou
-Eu tamém te amo - respondi. Empurrei o braço dele com cuidado para minha cintura e me virei. Eram dez horas. Dez horas! Agarrei minha desesperadoramente longa lista de "coisas a fazer" na mesinha de cabeceira e gemi. Eu tinha resolvido pouca coisa e ainda precisava:
a)Anotar todos os lugares nas mesas. Eu havia optado por placas de pedrinhas "emprestadas" da pra de Brighton escritas com tinta metálica prateada.
b)Terminar de arrumar os arranjos nas mesas (lírios de caule longo em jarros de vidro transparente).
c) Ligar para o fotográfo, afim de combinar as fotos que seriam tiradas. Eu ainda não tinha certeza se a foto com Dan admirando minha aliança não era brega demais.
A lista era muito longa para eu fazer sozinha. Dan teria de me ajudar. Olhei denovo para ele, que roncava baixinho, a boca ligeiramente aberta, o rosto esmagado contra o travesseiro. Mesmo com o rosto marcado pelo sono, ele ainda era tão terrivelmente bonito que eu não conseguia desgrudar o olho.Soube que me casaria com ele assim que o conheci. Na verdade, não foi bem assim -foi durante a metade do nosso primeiro encontro. Eu tinha sugerido um filne cult num cinema da vizinhança, mas era tão chato que quase dormi no meio.
-Filme interessante - Dan comebtou no fim- Muito, ahn, longo.
Não queria que ele me achasse tão chata quanto o filme, portanto tentei salvar a noite sugerindo que fôssemos comer algo. Quando Dan disse que a gente deveria ir para a casa dele e pedir alguma coisa, aceitei de imediato. O encontro ainda não fora pelos ares. Eu ainda tinha tempo de impressioná-lo com minha personalidade e inteligência brilhante.
Fomos andando e conversando educadamente até a casa dele, onde nos sentamos lado a lado no sofá surrado e ebfiamos a cara num prato de frango chinês. A sala estava no mais completo silêncio, afora o barulho de mastigar e engolir, e eu me sentia bastante satisfeita -até meu estômago começar a rugir de modo preocupante. Droga! De tão entusiasmada, tinha me esquecido do efeito que a comida chinesa produzia no meu aparelho digestivo.
Minha barriga estava duas vezes seu tamanho normal e o botão da minha calça estava a um passo de arrebentar. Uma visão nada agradável. Mudei de posição, tentando aliviar a pressão
-Gostaria de escolher uma música? -perguntou Dan, enroscando macarrão com o garfo, totalmente alheio ao meu suplício.
Boa ideia, isso, muito boa. Talvez andar um pouco pela sala ajudasse.
-Com certeza -respondi, levantando-me e encolhendo a barriga disfarçadamente. -Vou te mostrar que tenho ótimo gosto musical, sr. Harding.
Dan parou de comer e riu.
-É mesmo? Vamos lá, me impressione.
-Pode deixar.
Senti os olhos dele pregados em minha bunda ao atravessar a sala.
-Hum, o que temos aqui? -falei, no meu melhor tom de "especialista em música" .Os CDs de cima eram um pouco heavy metal demais para o meu gosto, portando abaixei-me para ver os de baixo.
E soltei um pum.
Foi como o soar da tromba de um elefante selvagem, só que muito, muito pior.
Congelei. Se não tivesse me mexido, isso não teria acontecido (ai, meu Deus, espero que, por milagre, Dan não tenha escutado). Levei as mãos às bochechas em brasa e disse a primeira coisa que passou pela minha cabeça:
-Seu piso estala de verdade, não é?
Dan quase engasgou de rir. Riu tanto, tanto, que começou a chorar, e achei que ele não fosse parar nunca. Comecei a rir também. Foi o jeito bobo e inconsciente da risada quase infantil dele que me fez rir. Como não podia achar aquilo engraçado? Se Dan conseguia me fazer rir de mim mesma quando tudo o que eu queria era que o chão se abrisse de tanta vergonha, então não desejava passar o resto de minha vida com mais ninguém.Desviei os olhos do rosto adormecido do Dan, dobrei a lista e a coloquei sobre a mesinha de cabeceira. As "coisas a fazer" podiam esperar, pelo menos por alguns minutos. Tinha algo que eu desejava fazer primeiro. Saí em silêncio da cama e fui até o armário do outro lado do quarto. Lá estava ele, fechado num enorme saco à prova d'água, meu vestido de noiva. Eu experimentara vários com Anna e Jess, minhas melhores amigas, antes de decidir qual comprar. O vestido branco foi descartado de cara - com meu cabelo longo e escuro e a pele branca, ele me deixava pálida demais. Os vestidos colantes também foram descartados - a menos que você seja um espeto, eles realçam todas as gordurinhas e celulites. Foi quando o encontramos - um tomara que caia marfim, com um corpete bem estruturado e uma saia ampla e rodada, delicadamente bordada com diminutas perólas. Nem simples nem extravagante demais. Perfeito.
-Lucy - Dan me chamou- O que você está fazendo?
Fechei o armário e me virei.
-Você não viu, viu? Diz que não viu meu vestido de noiva!
Dan enfiou o edredom embaixo do queixo e me fitou com os olhos embaçados.
-Eu já vi.
-Mentira! - exclamei, as palavras travadas na minha garganta.
-Claro que não, sua tolinha. - Ele riu. - Você me proibiu de abrir aquela porta, lembra?
Ah é, eu tinha escrito um cartaz "Não abra, sob pena de tortura ou morte" e o grudado na porta. Olhei para o Dan, desconfiada.
-Então por que me disse que tinha?
-Só queria implicar com você.
Atravessei o quarto a toda velocidade, pulei na cama e o soquei através do edredom.
-Não tem o direito de implicar comigo hoje, Daniel Harding.
-Por que não?
-Porque é a véspera do nosso casamento, por isso - respondi, dando-lhe um soco no ombro.
-Então seria uma hora ruim para te dizer que também encontrei o presente que comprou para mim?
-O quê?
Ele me agarrou e me puxou de encontro a si.
-A-há! Te peguei de novo
Eu ia chama-lo de babaca, ou coisa pior, mas ele me beijou antes que as palavras pudessem sair de minha boca.