Un giorno

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|SETE ANOS NO PRESENTE|

O aroma da cafeína moída e fermentada invadia minhas narinas, assim como a brisa úmida que vinha das folhas caídas atingia meu rosto, lembrando-me que aquele dia chuvoso era mais um dia malogrado de um âmago solitário. Observei como as gotas da chuva esmurravam o vidro temperado e escorriam em uma disputa para ver qual seria a última lágrima a se derramar no asfalto.

As lágrimas dele.

Lá fora, o mundo parecia absorto da tragédia que circulou a cidade muitos anos atrás, o clima verdoso, ofuscado e horrendo estendia-se pelos céus como um véu em um lembrete melancólico do último dia em que sua alma vagou pela terra. Agora, tenho meus vinte e um anos, casado, formado em gastronomia; Com uma vida média e relaxada que muitas pessoas deram sangue para obter e falharam. Porém, elas possuíam o que dinheiro nenhum poderia me comprar: Um retrógrado com memórias afortunadas vividas ao qual para sempre se prontariam a relembrar.

Existem milhares de memórias as quais eu deveria bater no peito e me orgulhar porque foram graças a elas que consegui me tornar quem eu sou hoje, portanto, também existiam milhares de remorsos que jamais deixarei para trás. Era como uma perseguição perigosa, não importa quantas vezes eu lutasse contra suas garras, no final, eu acabaria encurralado, sangrando.

Pagaria em carne e osso por todos os meus anos de vida por cometer o erro de amar o perdido. Por permitir que suas dores fossem amarradas em minhas entranhas, corroendo minha alma a cada dia.

Uma fotografia fantasmagórica se escondia na escuridão da caixinha de madeira, pequena e fria, no fundo do meu guarda-roupa. A coragem não me tomava o controle para que eu me livrasse da foto, mesmo que houvesse uma atitude e decidisse por vez queimar o rosto descarnado e afastar seus olhos castanhos sufocos para longe das minha memórias, sua alma jamais largaria minhas entranhas e com ela, suportaria a castidade até o meu último suspiro.

Tudo bem, eu assumia a culpa de ser um adolescente intrometido naquela época, portanto, não assumia o arrependimento. Eu precisava a todo custo mergulhar no mar catastrófico de seus olhos amedrontados, entender os seus motivos e dar a ele a chance de ser lembrado, mesmo que também custasse a minha paz.

Era vinte e um de junho quando minha mãe decidiu que iríamos nos mudar para Fox, Washington. Em meados dos meus quase quinze anos, um adolescente rebelde de mente e quieto de atitudes. Lembro-me bem que um dia antes da mudança, eu fugi de casa, eu estava com medo da nova escola que frequentava, das pessoas que teria de conhecer e sem ao menos prever, do destino que me aguardava. Eu me tornei relutante diante da separação dos meus pais e não fiquei com minha mãe por escolha, meu pai não me queria.

Recordo-me que eu estava no meu novo quarto na nova casa e a fim de aplacar o tédio que me consumia por inteiro, eu futriquei em um guarda-roupa de madeira antiga no canto do cômodo, sua cor era marrom e tinha alguns detalhes de pétalas douradas. Com curiosidade, meu eu de quase quinze anos procurou por aquilo que por tantos anos seguintes lutava para mudar: Um diário de capa dura e meio esverdeado, sem tranca e bem preservado.

Uma fotografia caiu aos meus pés e meus olhos contemplaram a imagem de uma mariposa amarronzada e preta, seu corpo era transparente me permitindo ter a visão do rosto através das asas.

Um dia, eu tive meus últimos momentos com a felicia escondida em meu coração amargurado. Um dia eu tive a chance de mudar minha missão na terra à qual eu estava destinado. Um dia, eu morri naquelas águas violentas enquanto segurava suas mãos gélidas, mortas.

Neptuno 🌑Onde histórias criam vida. Descubra agora