Capítulo 1

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Hanna

A sensação do adeus é a mesma de uma queda livre sem aviso, a mesma do luto sem preparo, mas quem está realmente pronto para se jogar, para a morte ou para um adeus?

- Hanna

Chego em casa por volta das 22h, minha mãe provavelmente deve estar como sempre, assistindo algum programa bobo enquanto me espera. Abro a porta da sala e logo a avisto em sua poltrona, seus olhos encontram os meus e sorrimos juntas. É como me olhar no espelho, eu sou o reflexo mais jovem da mulher mais linda que já conheci, alargo meu sorriso e fecho a porta, ela olha para trás de mim esperando para ver se estou acompanhada.

— Ele não veio hoje — mato sua curiosidade sem me virar e sei que ela está rindo.

— Nem perguntei nada — defende.

— Conheço a senhora, dona Isabel, sei que ama meu namorado e sempre espera que ele venha te paparicar.

— Fazer o que se meu genro me ama mais que minha filha? — a cara de sofrida que ela faz é tão fingida que me arranca uma gargalhada. Me aproximo e beijo sua cabeça.

— Seu genro amado teve que ir para casa, recebeu uma ligação importante do tio dele que mora em Dallas, mas ele mandou que eu trouxesse uma coisa para a senhora e deixou claro que se eu não entregasse teríamos nossa primeira briga de casal.

Ela sorri animada e estende a mão para pegar o casadinho de doce de leite que Saulo mandou. Minha mãe parece uma criança, desde que descobrimos sua diabete eu controlo e tento cortar todo doce possível, mas é difícil, pois ela sempre foi louca por doces, e não comer nenhum é como uma tortura. Saulo é o defensor, ele acha que pego pesado e exagero nos cuidados com ela, mas minha mãe é tudo que tenho, me lembro o quão difícil foi quando ela teve que amputar o pé esquerdo por causa de uma unha encravada que inflamou e deu bactéria, eu achei que ela morreria, fiquei sem chão ao ter que autorizar que o médico amputasse parte do corpo dela, no entanto, ele foi claro, se não amputasse a infecção subiria e ela correria risco de vida. Eu era menor de idade, e como só temos uma a outra não havia mais nenhum familiar que pudesse fazer todos os procedimentos no hospital, Marcos, tio do Saulo e apóstolo da igreja que frequentamos nos ajudou e falou com um dos médicos que além de chefe era um amigo próximo dele e assim conseguimos a liberação para a amputação.

— Já pensou em como vai ser se Saulo tiver que ir para Dallas? — Fico quieta, a pergunta que me tirou dos meus devaneios me trazia um misto de orgulho e dor. Lógico que eu ficaria feliz de ver Saulo ir estudar em outro país e conquistar os sonhos dele, mas seria horrível ter que me afastar dele por tanto tempo.

— Na verdade espero que ele consiga, vou ficar muito feliz por ele, mas óbvio que triste por nós. — digo, minha mãe me olha com olhos de compaixão, sabemos que assim que ele virar as costas eu vou desmoronar, desde que começamos a nos apaixonar nunca nos separamos, não por muito tempo, o que preocupa o apóstolo da igreja que frequentamos, Marcos, tio do Saulo, ele pega muito no nosso pé dizendo que temos que dar o exemplo. Mas fala sério, eu não quero ser o exemplo de ninguém, só quero ser feliz com o cara que amo. O cara que a alguns meses atrás viajou para Dallas para fazer uma prova com o intuito de estudar em uma das melhores faculdades do país.

O meu futuro advogado está prestes a iniciar um de seus sonhos, sem mim — penso melancólica.

— Eu não acredito em namoros a distância, Hanna, você sabe disso, e por mais que vocês se amem, 4 anos é muito tempo para que vocês esperem um pelo outro, lá ele vai conhecer alguém, e aqui, bom, você é linda e também vai conhecer uma pessoa que vai conquistar seu coração, hoje talvez você possa dizer que é impossível amar outra pessoa além dele, mas acredite, não é! Pode até não se comparar ao que sentem um pelo outro, mas ninguém é insubstituível.

— Mãe, para! Sei que você quer ver o nosso bem, mas para, não é hora de pensar nisso, vamos parar para pensar quando for o momento, nem sabemos se ele vai mesmo. Quer dizer, ele fez só uma prova e se não se saiu tão bem? E se o tio dele mudar de ideia? São tantas as possibilidades.

— Sabe o que é engraçado, egoísta e imprudente da sua parte, minha filha? — ela me olha séria — Nenhuma das suas “possibilidades” conta com ele indo viver o sonho dele.

Me calo, não por não ter o que falar, mas por ela ter razão, a minha mente egoísta não pensa nele indo, mas já me imaginei o consolando de inúmeras formas caso ele não passe nessa prova, mesmo sabendo que Saulo tem a total capacidade de passar.

Ainda em silêncio vou até a cozinha, junto às coisas que deixei jogadas na pia antes de sair e lavo, meu peito aperta remoendo a conversa de minutos atrás, não são só 4 anos, como relatou minha mãe, Saulo pode demorar muito mais que isso para voltar, contando com a graduação, pós-graduação e o possível estágio no escritório da família dele lá, ele pode simplesmente nem voltar, ele pode me esquecer assim que pôr os pés na faculdade e conhecer pessoas incríveis.

Enxugo uma lágrima que escapa sem permissão dos meus olhos e me concentro na louça a minha frente, me recuso a entrar nessa paranoia da minha mente.



Me jogo na cama assim que ajudo minha mãe a deitar, todas as noites a rotina é a mesma, arrumo tudo e depois a ajudo a tomar um banho e deitar em sua cama, sei que não é necessário, ela é completamente independente, mas meu cuidado com ela é exces...

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Me jogo na cama assim que ajudo minha mãe a deitar, todas as noites a rotina é a mesma, arrumo tudo e depois a ajudo a tomar um banho e deitar em sua cama, sei que não é necessário, ela é completamente independente, mas meu cuidado com ela é excessivo mesmo e não ligo para as reclamações dela.

Ouço meu telefone tocar e corro para pegar em minha bolsa que joguei ao lado do guarda-roupa.

— Alô — digo, animada. Sei que é Saulo e por mais que faça apenas duas horas desde que nos falamos eu já estava com saudade da voz dele.

— Oi, amor. Já deitou? — a voz dele está rouca e um pouco baixa.

— Acabei de me jogar na cama, mas nem meu banho tomei ainda, porque está falando tão baixo?

— Pode vir aqui fora? Estou no seu portão.

Corro pelas escadas com o telefone nas mãos, ouço ele dizer alguma coisa, mas não entendo o que é, a única coisa que me passa pela cabeça é que ele não se saiu bem na prova e está arrasado precisando de mim. Abro a porta e seus olhos estão vermelhos, mas ao me ver seus lábios se repuxam em um sorriso genuíno.

— Eu passei, amor! Vou para Dallas.

Nesse exato momento sinto algo se perder dentro de mim, é como se fosse um mal presságio, eu sinto que a partir do momento que ele entrar naquele avião tudo vai acabar.

Hanna, proibida para mim Onde histórias criam vida. Descubra agora