N O I T E

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ABRO OS OLHOS e mal consigo enxergar alguma coisa. Deve ser bem tarde pelo silêncio da casa. Estou com a garganta seca e levanto para ir até a cozinha. Assim que abro a porta do quarto, me deixo guiar pela luz suave que a minha mãe sempre deixa ligada na despensa da cozinha para não ficar tão escura a casa.

Mesmo assim vou acendendo as luzes pelo caminho. Bebo minha água e volto tranquilamente pelo mesmo caminho. Só que quando estou na sala, quase grito quando vejo que a caixa não tem mais nenhuma roupa em cima. As roupas estão dobradas e em cima da mesa de vidro. A caixa parece estar no mesmo lugar, ainda com o tampo para baixo.

Não vou conseguir dormir se não conferir, então me aproximo do papelão, com os passos leves, e engolindo o medo, ergo a caixa, e alívio me percorre ao perceber que a boneca ainda está ali dentro, perfeitamente amarrada. Deixo Amiguinha ali e volto para o quarto.

Tento dormir novamente, mas não consigo, agora estou com vontade de fazer xixi. Já passei da idade de molhar a cama, então claro que vou levantar para ir como se deve ao banheiro. Mas assim que sento na cama, sinto que tem algo de diferente.

Vou até o interruptor do quarto e quando acendo a luz, grito alto, e o xixi acaba saindo diante o susto. Corro para o canto do quarto, o mais distante dela e encolho ali, chorando baixinho.

— O que aconteceu querida? — escuto a voz da minha mãe e sinto um carinho suave no topo da cabeça.

Não respondo com palavras, apenas aponto para o canto oposto do quarto.

— Qual o problema da sua Amiguinha, Julie? — ela volta a falar e o carinho se intensifica.

— E-eu amarrei-i ela hoj-je a tarde e e-ela apare-receu aqui no qua-quarto. Ela nã-não fe-fecho-ou o o-olho quando e-eu deitei ela na-na caixa — minha voz sai com dificuldades.

— PEDRO! — ela grita aparentemente não se importando que é tarde e que provavelmente vai acordar os vizinhos. — EU SEI QUE VOCÊ TÁ ACORDADO, É MELHOR APARECER AQUI ANTES QUE EU CONTE ATÉ DEZ! UM... DOIS...

A porta do meu quarto abre delicadamente e reconheço os resmungos do meu irmão.

— Era pra você ver só de manhã — ele diz com um encolher de ombros.

— Você não tem vergonha de assustar sua irmã assim? Já chega! De castigo por um mês! Sem televisão e da escola direto para casa! —minha mãe ralha com ele enquanto eu ainda controlo meus soluços.

— Não é justo mãe, eu...

— Quer aumentar para dois? — ela levanta a sobrancelha daquele jeito que sempre faz a gente se calar. — E peça desculpas para sua irmã.

Com muita má vontade ele se desculpa e sai chutando o chão ao sair do quarto. E quando fico de pé, minha mãe percebe a situação na calça do meu pijama, mas não briga comigo.

— Francamente, acho que um mês foi pouco... — ela solta um longo suspiro. — Você quer dormir comigo hoje Julie?

Concordo com a cabeça e fico um pouco mais tranquila ao ver o sorriso que minha mãe me oferece. Sem falar nada, ela pega um short novo e seco para mim e espera do outro lado da porta enquanto eu tomo um banho e me visto mais uma vez.

Quando me deito, dentro do abraço da minha mãe, não demoro a dormir num sono tranquilo, torcendo para descobrir um medo do meu irmão para que eu possa devolver a ele na mesma moeda.


(605 palavras)

AmiguinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora