Trens e disfarces

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Catra sentou-se em um dos bancos vazios do trem no qual acabara de embarcar. Pegou um pequeno espelho redondo no bolso de seu sobretudo amarelo e observou seu volumoso cabelo cacheado de cor acobreada. Sorriu, deixando entreabertos seus olhos verdes, com a expectativa de que o fim daquela tarde fosse ser divertida.

Observou por um tempo a movimentação do lado de dentro do trem, não avistou ninguém que conhecesse e estava satisfeita com isso, a última coisa que queria era ser incomodada. Há dias que até um simples cumprimento de alguém estava a tirando do sério, precisava simplesmente não dizer nada por um tempo.

Olhou pela janela, sentindo-se confortável no assento e com a temperatura do ar-condicionado. Estava quase começando a sentir sua tão buscada paz interior quando o trem parou.

Alguns passageiros deixaram o transporte e vários novos embarcaram, fazendo com que começasse uma rápida busca desesperada por lugares para sentar. Catra suspirou, pedindo internamente que ninguém sentasse ao seu lado, porque era sempre obrigatório o tal "boa tarde" somente por educação.

Proferiu um xingamento em seus pensamentos quando sentiu um corpo pesado jogar-se ao seu lado, se recusou a olhar para a face daquele tal ser, talvez fazendo isso a pessoa entendesse que ela não estava pra conversas e deixasse os bons modos de lado.

— Boa tarde. — disse a voz suave, fazendo com que Catra se atentasse para a fonte do barulho que atrapalhou seus pensamentos sobre não querer barulho.

Era uma garota alta, tinha um cabelo preto e ondulado na altura dos ombros. Seus olhos eram de um azul claro que quase prenderam a atenção de Catra por mais tempo do que o necessário. Ela usava um casaco moletom verde-musgo e parecia não se importar com o olhar de poucos amigos que Catra lhe lançou.

— Boa tarde. — Catra respondeu, não sabendo se permitiria-se ficar mal humorada ou só ignorava a nova companheira de viagem até chegar ao seu destino.

— Qual é o seu nome? — perguntou novamente a voz, parecendo nervosa.

— Elina. — Catra respondeu rapidamente, aquele nome estava na ponta da sua língua desde a manhã daquele dia.

— Muito prazer, Elina. Eu me chamo Dora. — disse, com um tom de orgulho esquisito que Catra quase estranhou.

Riu baixinho, o nome da garota era feio, mas ela não era tão feia assim.

Passaram-se alguns minutos silenciosos, com Dora visivelmente inquieta ao seu lado, pois estava mexendo a perna sem parar. Catra decidiu — nem ela soube a razão — puxar algum assunto qualquer para tranquilizar a garota.

— Para onde está indo? — sua voz saiu rouca, pela quantidade de tempo que evitou falar uma frase tão longa.

— Eu não sei.

— Como assim? Você pegou o trem errado?

— Não, eu apenas entrei neste trem sem olhar pra onde ele iria.

Catra pensou em questionar, seria estranho se não o fizesse? Aquela garota parecia estar fugindo de algo, mas seria mesmo uma fugitiva procurada sendo tão disposta a conversar com uma estranha em um trem?

— E por que você fez isso? — questionou, por fim.

— Eu estava curiosa. E bem cansada na verdade. — deu uma pausa, olhando para Catra, como se pedisse permissão para continuar a falar.

Catra mascarou sua curiosidade para si mesma com um "é só porque eu não tenho o que fazer" e balançou a cabeça, para que a morena continuasse.

— Já sentiu como se tudo na sua vida estivesse sendo controlado por todo mundo menos por você? — Dora disse, em voz baixa, como se contasse um segredo.

Trens e disfarces - catradora (one-shot)Onde histórias criam vida. Descubra agora