Você ainda está de olhos fechados? [Sal x Ash]

Você ainda está de olhos fechados? ONESHOT!

Apartamentos Addison; 6:00h.

O espelho é um dos meus piores inimigos desde que eu me conheço por gente. Sempre foi difícil olhar para o meu reflexo depois do acidente. Desde então, eu passo meus dias observando as cicatrizes na minha pele, aqueles dois dentes que ficam a mostra contra minha vontade, os meus olhos com olheiras tão grandes quanto às de um cadáver e cada pequeno detalhe que me colocava na lista idiota de "meninos mais feios da classe". Aquela brincadeirinha das garotinhas fúteis me magoava de verdade, embora quisesse me convencer do contrário. 

Se tivesse forças ao menos para me lamentar...foram tempos tão difíceis que imagino ter gasto toda a tristeza que me era permitida até eu chegar aos 50 anos. O que me resta agora é minha imaginação e o pingo de esperança que sobrou em meu ser, afinal, o que seria Sal Fisher se não tivesse cometido um erro crucial durante aquela tarde? O que seria Sal Fisher se não tivesse sofrido o acidente? Ainda não sei ao certo se posso ser considerado uma pessoa valente ou alguma vadia masoquista por me causar dor absurda toda vez que teimava em permanecer mais do que dois minutos ali, em frente ao meu mais cruel inimigo...eu mesmo. 

Eu poderia ter sido bem menos maldoso para mim mesmo, talvez se tivesse pensado e agido de forma diferente sobre isso tudo não estaria com cicatrizes nos braços também ou tomando essa quantidade absurda de anti-depressivos. Embora as coisas tenham melhorado bastante quando nos mudamos, fico feliz que agora tenho alguns ótimos amigos e as aventuras com os fantasmas. Devo um agradecimento especial ao universo, ou seja lá o que controle os meus dias, até mesmo ao acaso, por me dar a oportunidade de encontrar, entre meus amigos, ela. 

Ashley Campbell se tornou um dos motivos principais pelo qual meu corpo magrelo e repleto de hematomas se esforça para sair da cama toda vez que o despertador faz aquele som terrível. Aquela garota era o porquê de eu apertar meus lábios para evitar sorrir cada vez que minha mente estúpida voltava a vagar na bagunça das minhas memórias e pescar um trecho da sua risada que quase conseguia escutar com perfeição dentro da minha cabeça milhares de vezes num dia. Mas ao mesmo tempo em que ela revirava o meu estômago com o nervosismo, ela conseguia me trazer uma tristeza tão profunda quanto uma zona abissal. Eu não era idiota ao ponto de pensar que um dia Ash sentiria o mesmo por mim, e isso estava me maltratando um pouco, a verdade sempre me tratava rudemente. 

Eu estava pensando demais ultimamente, será que isso faz parte da puberdade? Enfim, ter tantos devaneios sobre minha aparência provavelmente me faz uma pessoa narcisista, pelo menos eu acho que faz. Afinal, as pessoas não devem se importar direito com meu rosto...eu uso uma máscara por esse motivo. E eu com certeza já deveria estar com ela tampando essa aberração agora. 

-Vai se foder, Sal Fisher. -Peguei a prostética que estava sobre a pia e a vesti, tampando meu rosto, a abotoei atrás da minha cabeça e ajustei brevemente, conferindo se nenhuma parte mesmo da minha face estava a mostra. 

Com o passar dos anos eu me acostumei com a quantidade reduzida de ar que entrava quando estava usando a máscara e obviamente com o calor que sentia. Eu tento pensar nela como uma forma de proteger meus machucados, mesmo que, a essa altura, todos eles já tenham secado e não vão infeccionar caso saia sem minha máscara, mas continuo usando essa desculpa quando me pedem para tira-la. 

—Sal? —Ouvi alguns toquinhos na porta com o mesmo ritmo de sempre, meu pai estava tocando. —Amigão, o Larry já chegou. Está pronto? 

—Estou sim, pai. —Liguei a torneira por alguns segundos, lavando minhas mãos e as balançando para secá-las. Arrumei a franja sobre a máscara e finalmente destranquei e abri a porta do banheiro, dando espaço para que meu pai entrasse no cômodo. 

—Hoje eu e Lisa vamos ir fazer compras, talvez não chegue a tempo para o almoço, mas tem lasanha na geladeira. —Ele tocou meu ombro. 

—Vai sair com a Lisa? Que garanhão, hein pai. —Ri cruzando os braços.