Tinha

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Numa dimensão perdida
Numa galáxia esquecida
Em um planeta onde se dizia ter vida
Em um país onde armas
Se destravam e disparam sozinhas
Propinas se pagam sozinhas
Mães criam filhos sozinhas
Autoridade para, olha, aborda
Julga e sentencia sozinha

É nesse país onde dois irmãos
Desbravavam a calçada Jão
Com o coração portando um sonho bom:

Uma melhor condição

Estudo, trampo em busca
Da infame melhoria
Pra quem merece
Trincar com a família
E os coroa nas compras, liga?
Vixi… Vai segurando lek
Orra! Tirar onda no pilote da Honda
Aí o Jardim Brasil, o Jaçanã, Sampa
Vai veno o mundão ficar pequeno, nego
Mas o mundão é traiçoeiro memo

Ele tinha planos que o destino não tinha
Ele tinha inocência que a polícia não via

Sonhos e planos rabiscados
No papel pardo
Amassado da vida
São picados jogados ao alto
Como serpentina
Afinal, no país do carnaval
Mais que normal

Pro nosso protagonista
A cena que viria
Quem diria, não teria
Mais relevância para a mídia
Que o ladrão da Hornet, o rei do camarote
Ou a vinda do Justin Bieber
Que fita…
Fazer o que se justiça pra pobre não rende ibope
Nas notas dos jornais se veria o enfoque:

“Corta pra mim, Percival
Corta pra mim!
Vandalismo na zona norte!”

Ao invés da revolta que consumia a vila
Apenas anote
Mais um jovem pobre morre por...
Falta de sorte
Que se pans, até tinha uma mina
Que acelerava a pulsação, apertava o peito
Mas tá tranquilo, pensa desse jeito
Sem perigo de um amor ferir seu coração
Porque uma bala o faria primeiro

Ele tinha inspirações, ele tinha amigos
Ele tinha ambições, ele tinha um sorriso
E assim caminhava na calçada
Enquanto o irmão mais novo sorria
No país, onde tinha verba pra educação, opa, disse bem:

TINHA!

Ele tinha sangue na artéria, até tinha brilho no olhar
Mas não tinha sobrenome pra promotoria observar e julgar
O antagonista do fim do seu sonho
Culpado! Assassino com dolo!
Ele tinha um sonho?
Não!
Ele tinha mil sonhos!
Mas no caminho
Tinha uma viatura
Tinha uma viatura no caminho
Ria ou chore com a ironia teatral
No espetáculo onde tiro no peito é:

Acidental…

De tantos desejos
Sentimentos
E sonhos que tinha
Só lhe sobrou no final
Uma pergunta, enfim:

– Sinhô…
por que o sinhô atirou em mim?

Em memória de Douglas Martins

(Poema inspirado e escrito no dia 27 de outubro de 2013, quando Douglas Rodrigues Martins foi assassinado)

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⏰ Última atualização: Mar 24, 2022 ⏰

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