Rota Loev

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As pessoas viajam o tempo todo. Jovens fazem intercâmbio, crianças se maravilham ao entrar pela primeira vez em um avião, muitas vezes sem saber para onde vão. Adultos viajam por acreditar no amor, ou por desacreditar dele; viajar pode nos trazer um propósito na vida ou até mesmo nos fazer repensar o propósito de viver.

Meu nome é Lorena Loev. Acabei de voltar de uma viagem e isso foi bom — acho —, embora tenha percebido que, muitas vezes, viajamos com o intuito de fugir. O duro é quando temos que admitir que tentamos fugir de nós mesmos.

Outro dia, estava assistindo ao filme Inferno, baseado na obra de Dan Brown, e uma frase do doutor Robert Langdon, personagem principal, me chamou a atenção. De verdade, nem sei por qual motivo, mas ele dizia:

"...as coisas mais interessantes acontecem em portais, em fronteiras, em limites."

                              ***
                         No limite.

Pitangueira seca no quintal

Era um dia comum. Levantei, tomei um café amargo, olhei os passarinhos tentando comer o que restava de uma pitangueira seca no quintal e me dei conta de que, em apenas um ano de casada, consegui matar uma pitangueira de sede. Casar me apresentou o verdadeiro significado da palavra "paradoxal".

Sem cerimônias, vou te dizer: a realidade crua e nua é que, quanto mais perto estamos, mais longe ficamos. Talvez fosse esse o caso da pobre pitangueira. Afinal, nos últimos quinze dias, eu a olhei todos os dias, logo ali no quintal, e não fui capaz de colocar sequer uma xícara de água. Francamente, não consegui me conectar com a pitangueira.

Conectar... palavrinha complicada essa. A “coisa toda” dessa história que chamamos de casamento é que, muitas vezes, estamos conectados a tudo e a todos, mas totalmente desconectados de quem realmente busca e quer nossa presença, de quem, na verdade, precisa da nossa atenção.

Juan é meu “namorido”, e o fato é que éramos superconectados quando solteiros: lives, nudes, mensagens bobas no meio do dia... até que resolvemos morar juntos.

A realidade é que, no período de adaptação, o plug foi puxado da tomada. De cara, percebi que estávamos mais desconectados do que nunca. Tenho notado que o celular virou um membro do Juan — como sua mão, seu braço, sei lá. Acredite, ele dorme com o celular, toma banho com o celular, almoça e janta com o celular... até transa olhando para o celular. Essa falta de equilíbrio tem me afetado.

No mundo moderno, é moda ser workaholic, e Juan, como o profissional incrível que é, antenado com as tendências, lida bem com esse rótulo. Publicitário em uma grande agência de propaganda, ele carrega esse título como uma medalha de honra conquistada no caos do mundo moderno. Eu, por outro lado, sou modelo; minha vida se resume a yoga, castings de moda e dietas. Muitas dietas.

A verdade é que essa transição tem mexido com a minha cabeça e com as minhas medidas. Engordei três quilos, e isso, na minha profissão, é como suicídio a cada mordida. Foi então que resolvi encontrar Angélica, uma amiga querida e sem noção. Ela, como a maioria das modelos, sempre tem um remedinho emagrecedor, comprimidos de laxantes e um monte de bombons escondidos na bolsa.

Ao ver Angélica, minhas expectativas não foram frustradas: ela me deu dois remédios "milagrosos". Segundo ela, eram "remedinhos que faziam a diferença". Mas ela só esqueceu de avisar que não deveriam ser ingeridos com bebidas alcoólicas de jeito nenhum. E foi assim que, no redemoinho corrosivo de uma rotina sufocante, começou a minha “viagem”.

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