Jennie

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"Bastava apenas contar a verdade, apenas isso"

"Jennie"

Eu acordei, ou fingi que acordei, sem nenhuma pretensão, ou algum objetivo de fato naquela manhã, naquele dia, até mesmo naquela semana, talvez, acordar, havia sido só mais um dos meus comandos automáticos do dia a dia, acho que eu tinha certeza sobre aquilo. Estiquei a mão, no mesmo minuto detectei o frio crescente, estava esfriando de uma forma absurdamente rápida nos últimos dias, e eu não sabia se gostava ou não da sensação térmica recorrente. Provavelmente não.

Quinze chamadas perdidas de Lalisa.. acompanhando, várias de suas mensagens, implorando por esclarecimento, resposta, me senti afundar ainda mais na cama, e a sensação que tive ao deixar a carta em seu escritório me tomou em plena seis da manhã, ou até mais cedo que isso, acabando com qualquer ânimo que eu teria no decorrer das horas que se passariam.

Desliguei meu celular, o deixei longe, longe de vista, longe de mim, e longe da minha vontade absurda de correr até ela, e tentar explicar, explicar que entre ela e o meu filho, não tinha uma escolha, e por mais que doesse, eu estava fazendo o que qualquer mãe faria, ela deveria entender, ela deveria me entender pois ela também era mãe, e nada mais importava a não ser a segurança dos seres que dependia de nós cem por cento.

Pulei do pensamento assim que a porta do meu quarto foi aberta, e fingi o meu melhor sorriso assim que Harry atravessou o mar de edredons quentes e fofos, até estar em cima de mim, beijando todo o meu rosto, me abraçando e me dando a sua disposição matinal e jovial de uma pequena criança de seis anos. Murmurei, recebendo os seus carinhos de bom grado, fechando os meus olhos e suspirando pesadamente, afastando as vozes da minha cabeça, o tempo todo as afastando.

- Bom dia, mamãe! - saudou, com a voz animada, angelical que apenas ele tinha, eu sorri acariciando os seus fios que já caíam em cima dos seus olhos, indicando que precisava de um corte o mais rápido possível.

- Bom dia, meu neném. Dormiu bem?

- Huhum! Podemos chamar a tia Lisa e o Steven para jantarem conosco essa noite? Vai ser bem legal, você pode fazer aquela sua macarronada!

- Hey, calma aí.. você acabou de acordar e já está com esse ânimo todo? - perguntei, empurrando o edredom para longe, recebendo o tapa do frio em meu corpo, mas sendo esquentada assim que peguei Harry em meus braços, seus braços finos contornando o meu pescoço enquanto ele ficava de uma forma ereta no meu colo.

- Podemos?

- Que tal escovarmos os dentes? Você vai se atrasar se continuar enrolando.

- É impressão minha, ou está tentando fugir do meu pedido, mamãe?

- Impressão sua definitivamente. É sério, filho, se arrume, não quero que chegue atrasado. A tia Rosé irá te levar, tudo bem?

- Por que? A senhora sempre me levou, por que a tia Rosé agora?

- Eu tenho algumas coisas a resolver, sem perguntas, filho, por favor.

Sem perguntas pois.. como eu iria responder algo sem resposta? Como eu explicaria a ele que Lalisa agora, não poderia mais fazer parte da minha vida, da nossa vida. Eu queria acreditar que Harry não havia se apegado o bastante para sentir falta dela, acho que ainda não era o bastante. Tudo era uma confusão em minha mente, e como seria explicado isso, essa confusão, para uma pequena pessoa de seis anos? Não tinha como. Evitar levá-lo para a escola não duraria para sempre, encontrar Lalisa seria necessário um dia, nossos filhos eram melhores amigos, e quem seríamos se separássemos eles? Quem eu seria se separasse eles?

As suas mensagens me agoniava, a cada frase digitada, a cada pedido de "por favor, sol, me explique o que está acontecendo" meu coração quebrava, já não podia controlar as lágrimas quando me encontrei sozinha no apartamento, vendo as suas ligações, as suas tentativas, apenas pedindo para que ela se cansasse, se cansasse e parasse de me ligar, de tentar me entender. E eu acho que isso realmente funcionou, pois.. depois das duas.. as mensagens e as ligações de Lalisa acabaram por completo, me deixando vazia, sem rumo ou sem motivo aparente. Sendo apenas uma casca vazia, sem ela para ocupar o lugar que era dela por direito.

Ficar deitada no sofá, olhando para o teto, contando todas as vezes que tentei engolir o choro, os nós já inflamando a minha garganta de tanto serem formados, não estava adiantando de muita coisa, e eu achei que assistir TV me ajudaria com algo, com algo que não precisava de ajuda, apenas de honestidade, apenas de uma pessoa, e aquilo era nítido, eu não estava enganando ninguém, e nem a mim mesma, eu só queria fingir que não, nunca existiu, até sumir de verdade. Mas nada aconteceu, além da campainha tocada, me fazendo levar um susto pelo o excesso de silêncio consumindo o meu apartamento.

Funguei, sequei as lágrimas e tentei parecer uma pessoa normal quando abri a porta, mas isso não funcionou quando vi de quem se tratava e não ajudou ao ver que.. ela também tentou fingir que estava tudo bem, que estava bem, mas ela não estava, eu não estava, e a culpa, era inteiramente minha.

- Jane.. - ela começou, ou tentou, eu ainda não sabia como reagir, apenas olhá-la era o suficiente para abafar o que eu sentia de ruim por dentro - Por favor.. me conte o que aconteceu..

- N-não.. não aconteceu nada..

- Não aconteceu nada? E então o que é isso aqui? - perguntou, completamente perplexa pela a minha resposta - Como que do dia da noite você pede demissão? Como que do dia para noite você para de me responder ou atender as minhas ligações? Achou que me ignorando eu não viria atrás de você?

- Eu só.. preciso de um tempo sozinha.. só isso..

- Ok, eu entendo, eu realmente estou tentando entender, sol.. - suplicou, se aproximando, mas parando quando eu recuei alguns passos - Você precisa de um tempo, tudo bem, mas pedir demissão do seu maior sonho, desistir do seu maior sonho quando ele estava literalmente em suas mãos? Por que disso agora? Por que?

- Eu não posso ficar mais no seu restaurante e muito menos com você, Lisa.. eu sinto muito..

- "Eu sinto muito"? Isso é sério? - as suas risadas de não compreensão me feriram de uma forma árdua e seca, como nunca imaginei que doeria um dia - É só você falar, Jane, apenas fale o que está acontecendo, me deixe te entender, por favor!

- Vá embora, Lalisa - respondi, firmemente, empurrando as lágrimas de volta para dentro e adotando um tom que nunca usei e mau sabia que tinha - Você quer saber a verdade? Eu nunca gostei de você, eu não gosto de você, de verdade, isso tudo não passou de uma aventura idiota, agora eu enjoei, e quero que você saia do meu caminho. Fui clara? Gostou da verdade? Pode ir agora?

Ver os seus olhos, sumindo qualquer vestígio de brilho que um dia existiu, me destruiu, por inteira, ou o que ainda tinha de inteiro dentro de mim, ver ela recuar alguns passos, piscar e olhar para baixo enquanto as suas lágrimas salpicavam o seu rosto, me matou, ou matou algo ainda vivo dentro de mim. E eu me senti enterrada completamente, assim que os nossos se cruzaram pela a última vez, Lalisa assentiu, fechou os olhos, secou as suas lágrimas, amassou a minha carta e a jogou em minha frente.

- Vou precisar ver alguns tutoriais de o que é amor verdadeiro, de uma simples aventura, não acha? Você é muito boa fazendo isso, meus parabéns.

Sussurrou com a sua voz amargurada e rouca, seus olhos se escurecendo a cada piscada que dava, abandonando os meus aos poucos, antes de ir completamente.

- Adeus, Jennie.

Receita para o Amor (Jenlisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora