LIVRO VIII

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Mal Turno, os cornos rouco estrepitando,
Pendões arvora no laurente alcáçar,
E os brutos afogueia e incita as armas,
Revolto o Lácio em trépido tumulto

Se conjura, e esbraveja a mocidade.
Chefes Messapo e Ufente, o ateu Mezêncio,
Organizando levas, despovoam
Toda a campanha. A requerer o auxílio
Do grã Diomedes, Vênulo deputam;

A informar que, abordado há pouco Enéias,
Os vencidos penates recolhendo,
Rei se inculcava por querer dos fados;
Que atrai cem povos, e n'Ausônia lavra
Seu prestígio. Ao que tenda, e o que resulte

Se a fortuna o insufla, é manifesto
Mais a Diomedes que a Latino ou Turno.
Derramada a notícia, o Laomedôncio
Em cuidados flutua, e a mente vaga
Divide e agita, a meditar em tudo:

Como em bacia d'água o tremulante
Raio da Lua ou Sol, repercutido,
A regirar volúvel, monta aos ares
Do sumo teto os artesões ferindo.
Noite era; e gados, aves e alimárias,

Quando lassos na terra adormeciam,
Dos perigos aflito, à riba Enéias,
Tardo repouso aos membros concedendo,
Sob o eixo do céu frio recostou-se.
Deus do sítio, a surgir do leito ameno,

Entre alemos se antolha o Tiberino:
Ao velho tênue bisso um verdoengo
Sendal compõe, e a touca umbrosa cana.
Ao Teucro fala e o peito lhe mitiga:
"Divo renovo, que dos Gregos salva

Pérgamo eterna à Hespéria nos transportas,
Nestas laurentes veigas esperado,
Casa tens certa, certos os penates;
Avante! não te assuste a feia guerra:
O tumente furor cessou dos deuses.

Por que isto um sonho fútil não reputes,
Em litóreo azinhal grande alva porca
Deitada encontrarás parida, e em roda
Nela a mamar trinta alvos bacorinhos.
Descanso aqui tereis; trinta anos voltos,

Aqui fundando-a Iulo, deste agouro
Alba derivará seu claro nome.
Não dúbio o vaticino. O modo em suma
Te ensinarei de conseguir vitória.
Lá d'Arcádia emigrados que de Evandro

Sob a real bandeira aqui vieram,
Do bisavô Palante por memória,
Em montes assentaram Palantéia:
Com eles anda o Lácio em guerra assídua;
O arraial em comum, liga-te a eles.

Eu, por meu rio e margens te ajudando,
Farei que a remos a corrente venças.
Sus! roga a Juno; assim que os astros caiam,
Devoto e súplice, ó de Vênus filho,
O ódio minaz lhe adoça: ao triunfares

Me honres depois. Sou eu que em ampla cheia
Premo estas bordas, sulco e adubo as vargens,
Aos céus gratíssimo, o cerúleo Tibre.
Meu paço é cá, de altas cidades mano."
Disse, e imergiu-se: a noite a Enéias deixa.

Desperto olhando ao lúcido oriente,
Nas covas palmas, como é uso, apanha
Do licor fluvial, dest'arte orando:
"Ninfas, laurentes ninfas, geradoras
Dos mananciais, com santa veia ó Tibre,

Recebei vós a Enéias, resguardai-me.
Qualquer que seja a fonte, ou lago ou solo,
Donde formoso nasças e onde as nossas
Penas, rio cornígero, apiadas,
Sempre terás meu culto, of'rendas sempre,

Tu das águas hespéricas monarca.
Assim me valhas e os augúrios firmes."
Da frota escolhe então birremes duas,
E de armas e remeiros as fornece.
Súbito, ó maravilha! entre arvoredos,

Deitada em verde ribanceira, avistam
Com sua alva ninhada uma alva porca;
E a ti, máxima Juno, o pio Enéias
Com todo o parto a imola e te oferece.
Durante a noite amaina o inchado Tibre,

E em tácito remanso refluindo,
Qual tanque fica-se ou lagoa estofa,
Que não obste ao remar. Crenado o pinho,
Com propício rumor, no equóreo plaino
Ligeiro se desliza; e a onda e o bosque

Eneida (19 a. C)Onde histórias criam vida. Descubra agora