Capítulo 1

5.1K 357 16
                                        

MARIANA

Eram dez horas da noite, cedo para alguns, por ser quinta-feira, mas para mim, que tenho uma criança em casa e levanto às cinco da manhã para trabalhar, estava tarde.

Aqui em Heliópolis as coisas começam a esquentar desde quarta-feira, é quando as pessoas já estão animadas demais com a expectativa do final de semana. Eu, por outro lado, sei que é mais um dia em que terei para colocar a minha casa em ordem.

Eu me arrastei cansada até a porta, sobre as batidas insistentes e inconvenientes e tentei reconhecer quem era do outro lado, através da janela da cozinha.

Um homem!

Desconhecido para mim, já que não tenho amizade com quase ninguém por aqui.

— Aqui só tem mulher e criança. — gritei, na esperança de quem quer que fosse, resolvesse ir embora.

— Eu sei, quero falar sobre a criança. — A voz grossa o suficiente para vibrar dentro de mim, respondeu do outro lado.

Como assim, falar sobre a criança?

Desde que Lucas nasceu, ele sempre foi a minha coluna, o meu impulso a buscar sempre o melhor para ele. Jurei em seu nascimento que assim como o protegi, quando estava dentro da barriga, eu o protegeria aqui neste mundo.

Nem que tivesse que enfrentar um leão por dia, mas conseguiria.

Curiosa pelo que poderia ser referente ao meu filho, abri a porta. O homem vestia um bombojaco preto e boné, também preto, pouco conseguia ver de seu rosto, até que deu um passo para dentro da minha casa sem ser convidado.

Foi então que vi seu olhar.

Um negro lindo, acompanhado de cílios bem desenhados, que diria ser uma blasfêmia uma mulher não os ter.

Por alguns segundos permaneci em silencio e sentindo meu corpo esquentar com a sua inspeção sobre mim. Aparentemente, não era somente eu que estava afetada pelo encontro.

— O que deseja? — Precisei iniciar a conversa, já que ele nada falou.

— Me chamo Douglas, você deve ser Mariana.

— Sim, esta sou eu. A que devo essa visita inoportuna neste horário?

— Dois dias atrás te vi com um menor, passando em frente ao bar onde eu estava. Subiu numa moto...

Sim, o dia em que eu saí mais cedo do meu curso porque estava com uma enxaqueca terrível, então eles me dispensaram.

— Olhei para o menor e pude reparar que era semelhante a alguém bem conhecido.

Neste momento, ele retirou o capuz e levantou o boné, pude notar seu rosto, tendo a certeza de que era o mais lindo que já vi. Um preto de respeito! Porém, não só isso me chamou a atenção. Ele parecia com alguém familiar, apesar de nunca o ter visto.

— Desculpa, mas ainda não entendi onde você quer chegar com tudo isso. Está tarde e se você não se importar... eu trabalho amanhã e meu filho fica na escolinha.

— Teu filho?

— Meu. Por quê?

Ninguém nunca ousou questionar isso antes, até porque Lucas sempre esteve comigo.

— Alguns anos atrás eu me envolvi com uma mina muito pilantra, nem sabia qual era a real idade dela, porque ela mentiu pros parceiros. Essa mina engravidou.

Entendendo onde as suas palavras queriam chegar, o ódio me tomou. Então, este era o ser por quem eu jurei ódio eterno. O ser que foi capaz de pedir para abortar uma criança indefesa, o ser que renegou meu bebê antes mesmo dele nascer.

— Saia da minha casa. — Apontei furiosa na direção da porta.

— Tá louca, porra? — Ele me encarou sério, como se fosse me estrangular ali, naquele momento.

Não temerei. Não enfrentei coisa pra caralho para temer diante de um desgraçado que quis a morte do meu filho, nunca.

— Você não é bem vindo aqui na minha casa. Não é bem vido na vida do meu filho, e se tiver um pingo de caráter, suma de nossas vidas.

— Deve estar me confundindo com algum emocionado que tu pega pela rua, tulidando com sujeito homem nessa porra, e quero ver se tu vai ser igual a pilantra, que no passado me escondeu que eu era pai.

— Te escondeu? Você propôs um aborto, deu dinheiro para o meu filho ser morto. Agora, eu que sou a pilantra?

— Quê?louca?panguando, dizendo merda que não é verdade. Vê bem o quefalando pra depois não se arrepender. — Ele nervoso me deixava com muito medo, porém, não iria me dobrar, mesmo que seu dedo estivesse bem na minha direção.

— Me arrepender de quê? Sou muito mulher para saber o que digo.

— Mina louca, parceiro. Como que tem coragem de me acusar de uma porra dessas? Te contaram a verdade nessa porra? Ou só o que te convinha?

— Quem me contou não tinha porque mentir.

— A é? Então por que eu só vim descobrir que é bem provável que eu tenha um filho, há dois dias atrás? Isso porque estava de bobeira aqui na quebrada, senão, só Deus sabe se um dia eu iria saber.

Olhei para ele confusa. Como pode ser tão sujo, a ponto de querer sair como vítima da história, quando na verdade, ele não é?

— Peço que você vá embora, meu filho ficou muito bem esses anos sem pai. Eu tenho conseguido mantê-lo confortavelmente e é isso que importa.

Não daria mais um minuto da minha atenção a este lunático.

— Eu quero ver o menor, ter certeza de que ele é meu.

— Fica em paz, não é seu, meu filho é meu e está tudo bem assim.

— Porra garota, o que aquela filha da puta te falou? E quem você acha que eu sou, para dar as costas pra um filho?

VIDA REAL ( DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora