Capítulo 4

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Passei uma noite conturbada, meus olhos insistiram em se manterem abertos e para o meu total desespero, fui conferir se realmente haveria alguém em minha porta. Lá estava um carro preto, parado bem no meu portão, e se a ideia de fugir passasse pela minha cabeça, a única saída seria a invisibilidade, algo que eu não detinha o poder.

Eram sete da manhã quando desisti de tentar dormir, estava o bagaço da laranja, pelo cansaço da semana e pela noite mal dormida, definitivamente aquele homem acabou com o meu sono, alugou um tríplex inteiro em minha mente, a ponto de roubar a minha paz somente com algumas palavras.

Decidi que o melhor seria me ocupar dos meus afazeres, já que não sabia a que horas o ilustre papai do ano viria.

Confesso que minha raiva por Raissa só aumentou quando parei para pensar o quão boba ela me fez, como pude acreditar em suas palavras. Não deveria me surpreender tanto, afinal, ela teve a mãe que teve.

Mesmo tendo a boa aparência como muitos fazem questão de ressaltar, não escolhi o caminho fácil como elas. Foi árduo, mas concluí a minha faculdade de Direito, me formei com honras e hoje estou batalhando para entrar na área que sempre acreditei ser a melhor para mim, o que não está sendo fácil e exige meu total comprometimento e silêncio para manter a minha vida. Se bem, que ainda moro na favela de Heliópolis por falta de grana, já que aqui a moradia é bem mais em conta e conheço algumas pessoas que me ajudam, quando preciso, com Lucas, como é o caso de dona Miranda e Anderson.

Anderson estudou comigo, e sei que ele tem uma quedinha por mim, mas sempre o vi como amigo, e será sempre assim, até porque eu e ele nunca dará certo, por causa do caminho que ele escolheu seguir.

Quando saímos da escola, ele veio me contar que tinha arrumado um trabalho, eu toda boba fiquei feliz pelo meu amigo, até descobrir em quê. Na firma 157, junto com os caras e logo depois, irmão.

Mesmo que eu veja que ele é uma pessoa tranquila, sou lúcida o suficiente para saber que um relacionamento entre nós dois acabaria na morte de alguém.

Distraída em meus pensamentos, enquanto bebericava uma xicara bem generosa de café, para me manter preparada para este dia, fui colocando as roupas na máquina, organizando o que estava fora do lugar na cozinha e abrindo as janelas para que o ar penetrasse no lugar. Sabia que meu neném não acordaria por agora, já que ontem foi dormir tarde por causa da nossa visita, e por falar em visita, foi só eu pensar nele que as batidas na porta vieram com força. Não precisava ser um gênio para saber quem era.

— É cedo demais para uma visita, deveria saber disso.

— Bom dia para você também, trouxe algumas coisas para tomarmos café.

Não só o cheiro do pão, queijo e seja lá o que quer que ele tenha trazido, penetrou em meu nariz, como também o seu perfume.

O meu inimigo era uma delícia, chegava a ser crime odiar este homem, mas era preciso, pelo bem da minha família, mas digo que será uma batalha árdua.

Peguei as sacolas de suas mãos e fui para a cozinha, sentindo que ele estava logo atrás de mim. Não sei por que, mas as minhas costas queimaram, então virei o meu rosto e foi bem a tempo de pega-lo olhando a minha bunda.

— Sério, isso?

— Eu não posso fazer nada se você é gostosa e me aparece com um short desses. — Abriu os braços se justificando.

— Segundo a sua idade seu comportamento deveria ser outro, não?

Idiota! Preparei a mesa sob seu olhar atento, de vez em quando via ele responder alguém no celular, mas depois voltava a me encarar. Se está achando que vai levar o pacote completo, está muito enganado.

Durante a minha adolescência me mantive focada demais em meus estudos para buscar um relacionamento, e logo em seguida veio a faculdade e depois Lucas. Se fui capaz de sobreviver até aqui sem um homem, não será ele quem me fará mudar de ideia. És um tolo se acha que por ter uma carinha bonita e as mulheres se jogando aos seus pés, eu também farei a mesma coisa.

Dei graças a Deus quando Lucas apareceu na cozinha com a cara toda amassada e ainda com o pijama de carrinhos. Quem o pegou primeiro foi Douglas, que o colocou sentado em sua perna, e isso me encheu de ciúmes. Era sempre eu a estar lá para ele, e agora tem um estranho, um estranho que quer tomar o meu lugar.

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Depois de sairmos da clínica, Douglas teve a brilhante ideia, sem me consultar, de irmos ao Mc'Donals. Aprecio o seu esforço em querer agradar o Lucas, porém o ciúme grita dentro de mim, e também pelo fato de eu realmente não saber quem ele é e o que quer conosco.

O que sei, é que estava de passagem na comunidade e que conhece algumas pessoas, e tem muito dinheiro, ou aparenta ter, pois o Rolex em seu pulso é muito perfeito para ser falso. Sem contar o jeans da John John, camisa da Burberry e tênis ostensivos. Não esquecendo de citar o SUV da Toyota em que viemos para cá.

Seja lá o que quer que ele seja, não sinto que é coisa boa e que vá ser algo bom para estar próximo ao meu filho, apesar de agora eles dois estarem em uma conversa muito séria sobre os melhores carros para se colecionar.

O único ponto que posso agradecer, é que Lucas esqueceu a chupeta e decidiu se portar como o homenzinho que eu sei que ele é.

— Bebê, vem, sente aqui para eu te ajudar.

— Não sou um bebê, mãe, não é tio? Bebês usam fraldas.

— E também chupa chupeta, quem me garante que ela não está aí no seu bolso?

— Tá em casa, mãe. Eu não sou mais bebê.

— Certo, quer tirar o tênis para ir no brinquedo?

Não precisou repetir, ele saiu em disparado até o brinquedo onde outras crianças já se divertiam. Enquanto mais uma vez eu teria que enfrentar uma batalha.

— Escute, eu me policio com a alimentação do meu filho, não deve oferecer besteiras para ele, porque tem um estômago sensível e por mais que goste de besteiras, não pode comer corantes, por causa da alergia.

— Algum medico passou medicamento?

— Ele faz acompanhamento, mas nenhuma mudança, não é que eu não queira dar, eu preciso ser atenta com o que come.

— Entendo. Após aqui, quero levar ele para conhecer a minha mãe1?

— Para quê? Para que esse estardalhaço todo? Se os exames darem negativo, você vai desaparecer da vida dele, e o que vai restar é apenas o coração partido de uma criança por uma pessoa que veio e se foi na mesma proporção.

— Você não vai fazer isso do jeito fácil, não é? Eu estou tentando dar o meu melhor, fazer com que seja amigável para você, mas se quer uma luta de igual para igual, saiba que vai ter que comer muito arroz com feijão para me alcançar.

— Acredite, eu me garanto no que faço, e se você pudesse voltar de qualquer buraco de saiu, eu agradeceria. Teria a minha família tranquila novamente.


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