Capítulo Único - Erase me, unmake me.

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A luz branca brilhando sobre ela dificultava o esforço de manter os olhos abertos, e as dores fortes na cabeça e no peito ecoavam os eventos de suas memórias mais recentes. Muitas coisas confundiam seus sentidos já bastante desorientados, mas o que mais chamou sua atenção, a maior estranheza, maior peça deslocada, era o próprio fato de estar ali, de olhos abertos e ainda respirando, para observar todas essas coisas.

Loki havia acordado, e isso não deveria ter acontecido. Significava que ainda estava viva quando tinha suas dores para lembrá-la de que não deveria estar. Dores do corpo e da alma. Logo a memória de Sigyn retornou, seu olhar aterrorizado enquanto corriam na direção uma da outra. Por um instante, Loki pensou que conseguiria alcançá-la. Fugiriam para Midgard, se esconderiam com os outros membros da resistência de Fenrir, e continuariam suas vidas pensando em um dia de cada vez...

E no instante seguinte, estava grata por não ter conseguido.

No chão, com os Asgardianos em volta apontando suas armas, arrastando-lhe para longe de sua esposa, Loki apenas esperava que ela a perdoasse por deixá-la sozinha quando havia jurado que sempre estaria ao seu lado, mas agradecia por não arrastá-la para a execução também. E nos olhos de Sigyn no meio da multidão que as separava, viu a mesma dor da perda e da culpa, quase como se ela achasse um crime não ficar ali para morrer ao seu lado.

Loki tentou se sentar. Só então percebeu as amarras que restringiam seus braços, suas pernas e o tronco, impedindo qualquer tentativa de movimento. Conforme a mente clareava, o receio retornou. Lady Odin tinha lhe condenado à morte pelos ataques terroristas, e a autoproclamada Mãe de Todos não costumava mudar de ideia. Misericórdia significava apenas trocar a morte certa por um destino pior.

Como se atraída pelos pensamentos, Loki ouviu o deslizar das portas em algum lugar do quarto que não conseguia ver. Passos firmes indicaram uma aproximação, então Odin apareceu em seu campo de visão, o rosto normalmente sério agora mostrava sinais de uma expectativa contida, seu olho esquerdo brilhava com um anseio execrável ao lado do tapa-olho que escondia o direito.

— O que está acontecendo? – exigiu saber, mas o fato de achar que podia fazer exigências desse tipo pareceu divertir Odin. Mau sinal. Pelo que tinha feito com os testes do projeto da Bifrost, o buraco de minhoca artificial que tinha sido a paixão científica da governante de Asgard pelos últimos trinta anos, Loki achava que Odin a mataria com as próprias mãos no momento em que a encontrasse.

— Estamos retornando com o projeto do Expresso Ratatosk, é claro.

Loki deixou escapar um riso curto e amargo, tentando parecer confiante. Não podia ser verdade, não depois de tudo o que tinha feito. Os mísseis não apenas destruíram os trilhos do Ratatosk, o trem espacial que Odin tanto sonhava lançar através da Bifrost, que faria o trajeto de Asgard à Midgard em apenas 3 dias. Também havia explodido a base que monitorava os testes e todos os arquivos do projeto.

— Você não pode recomeçar o projeto, tudo foi perdido. Todos os cálculos, os esquemas, os relatórios... – Dizer em voz alta a fez relaxar. Tinha conseguido, tinha certeza disso.

Mas a permanência da calma de Odin minava sua confiança, aquele ar arrogante e condescendente.

— Você se engana. Nem todos os arquivos foram perdidos. – Odin se moveu, desaparecendo de sua visão por um instante. Logo reapareceu, dessa vez na cabeceira da maca, e apesar da tentativa de recuo de Loki, pousou a mão na lateral de seu rosto em um gesto quase afetuoso. – Você trabalhou para mim por mais de trinta anos, Loki. Se queria destruir o projeto do trem, deveria ter morrido no local. Deveria ter morrido na explosão, deveria ter morrido com Baldur.

A menção a Baldur ainda era uma questão delicada. A morte dele não era sua intenção, mas a provocaria outra vez se isso impedisse a abominação científica que Odin estava construindo. Mas o que mais lhe dava asco era saber que Odin tinha ficado mais enraivecida pelo atraso dos planos do que pela morte dele.

Erase MeOnde histórias criam vida. Descubra agora